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A Poesia Como Formadora do Espírito

Miquel Martí i Pol dá seu testemunho eloquente sobre o poder transformador e mesmo estruturador da poesia, seu entendimento coloca a poesia no cerne da formação de toda a experiência humana!

*Miquel Martí i Pol

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[…] Creio que não é de todo arriscado considerar que o poeta vive a poesia como uma experiência a mais do que aquelas que, ao longo de sua existência, o configuram como pessoa. Obviamente, não estou falando da prática da poesia, isto é, do ato específico e limitado de criação –ou, se você quiser mais simplesmente, do momento de escrever um poema–, mas sim da atividade poética entendida como uma atitude em relação à vida. Qualquer forma de expressão artística exige uma dedicação total e constante, porque todas elas comprometem o que há de mais essencial no homem: a sua própria forma de ser. No entanto, a poesia, sendo uma das que mais ativamente promove a intimidade, uma das que menos necessita de elementos exteriores a si própria para se realizar, e uma das que menos tem projeção comercial e social no mundo atual (a última das artes pobres, como dizia Pere Quart), a poesia, repito, por tudo o que disse e, mais ainda, por operar com um instrumento tão quotidiano e vulnerável como a linguagem, é possivelmente a forma de expressão artística que mais profundamente compromete o modo de ser do homem, e que mais substancialmente o modifica.

Tudo isso explica a afirmação que fiz no início do parágrafo anterior e acho que pode ajudar a situar a poesia dentro de limites compreensíveis. Toda experiência vital é enriquecedora; toda comoção íntima contribui para nosso desenvolvimento profundo. De fato, só crescemos verdadeiramente em conhecimento e, consequentemente, tudo o que nos aproxima do projeto de nós próprios de forma exigente ou tenaz contribui para a nossa realização, realização a que todos aspiramos, de uma forma ou de outra, mais ou menos definida, mais ou menos intensa. A poesia, portanto, como experiência de vida, traz uma dimensão transcendental para toda a nossa existência. Além disso, como consequência de sua relação dialética com outras experiências, pode se tornar, e muitas vezes se torna, o eixo que centraliza nossa atividade vital e, mais ainda, a pedra de toque que a define e orienta. Porque a poesia dificilmente pode ser considerada como uma simples experiência fugaz e anedótica, como um facto que mais cedo ou mais tarde podemos esquecer: a poesia é um “estado”, uma forma de ser, e como expressão de nós mesmos abrange, de certa forma, todas as outras experiências. A poesia, então, é uma experiência que deve ser considerada sob uma dupla perspectiva: a da percepção, que deve nos fazer concebê-la como mais uma atividade, das tantas que realizamos ao longo da vida; e a da globalização, que deveria permitir avaliar a força dinâmica e modificadora que ela exerce sobre nós.

Miquel Marti i Pol

“O que é poesia?”, fevereiro de 1987

O poeta