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A pós-modernidade e a reconfiguração da religiosidade do ser

Colaboradora de Navegos escreve sobre um aspecto da religião que marca o nosso tempo: a diversidade que resulta do modo de pensar e agir das pessoas.

*Joelma Ferreira Franzini

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Nesse breve esboço, estaremos tratando da temática da religiosidade apenas em sua versão ocidental. Utilizaremos o conceito de “religião” enquanto um termo de origem latina que significa “religar” com Deus, observando que a religiosidade pode exercer influência nos valores e no modo de agir de uma pessoa.

Segundo Rouanet (1993), na antiguidade o homem era compreendido coletivamente (o clã, a tribo, a polis), pois fazia parte da sociedade a que pertencia originalmente. Contudo, ocorreu um rompimento dessa visão comunitária, e o homem, lenta e gradativamente, principia a ser entendido enquanto indivíduo com o passar dos séculos.

No período medieval, o homem também possuía fortes raízes baseadas em suas crenças, o que lhe proporcionavam um sentimento de pertencimento. Nessa época, era o Cristianismo, na versão da Igreja Romana, que dominava toda a Europa.

A Idade Moderna do mundo Ocidental teve início em 1453 d.C. O novo tipo de pensamento vindouro trazido pelo Iluminismo, pretende substituir a fé pela razão. A ciência deverá assumir o papel que antes, fora de Deus. Desta forma, se antes o centro de tudo era Deus, com o Renascimento o centro de tudo agora é o homem. Foi o fim do severo e ríspido mundo medieval. Alguns se sentem libertos. Muitos outros sem as antigas referências, sente-se desamparados (Rouanet, 1993).

O movimento científico principiou um novo marco histórico: a Pós-modernidade (ou Contemporaneidade). Entendido desde o início da Revolução Francesa em 1789 até os dia atuais, a contemporaneidade se caracteriza, sobre modo, pelo processo de aceleração da urbanização crescente em várias partes do mundo, aumento da população, o avanço na divulgação da informação, o crescimento na produção de bens de consumo, entre outros.

Uma característica forte do mundo contemporâneo, viria a ser o individualismo associado ao consumismo. Debord (1997), denomina a sociedade contemporânea como de consumo ostentatório e do espetáculo, na medida em que a economia submente a todos e vai modelando para si a multidão do consumo, transformando Ser em Ter.

Sabemos que o homem pós-moderno é muito mais livre que o homem medievo e, até mesmo que o homem moderno, tendo sua individualidade (ou seria individualismo?) respeitada, caso possuir o dinheiro suficiente para pagar o preço de seus desejos e necessidades, reais ou criadas.

Hodiernamente, crenças, valores, ideais e conceitos, foram todos transmutados. Contudo, de que forma essa contemporaneidade, fruto da modernidade e do pensamento cartesiano, estaria contribuindo para a reconfiguração da religiosidade do Ser?

De acordo com Bellotti:

Várias são as manifestações associadas à religião na era contemporânea: as feiras de exposição Expo Cristã e Expo Católica; igrejas que atraem público jovem, tais como a Bola de Neve Church (esportistas, reggaeiros, dentre outros) e a Comunidade Gólgota (para góticos); as manifestações públicas e os lobbies articulados pela Direita Cristã norte-americana, em prol da proibição do aborto; os fundamentalismos cristão, islâmico e judaico; a Teologia da Libertação e a Renovação Católica Carismática; dentre muitos outros exemplos. Os cruzamentos entre religião, mercado, violência, política, cultura, propaganda e mídia, proporcionados especialmente a partir dos séculos XIX e XX no mundo ocidental, nos fazem perguntar quais os limites da definição de religião; como os historiadores podem qualificá-la e analisá-la e partir de qual perspectiva. (BELLOTTI, 2011, p.14).

A questão não é simplesmente levantar a quantidade, variedade, múltiplos sentidos e sentimentos religiosos na contemporaneidade, mas verificar uma óbvia mudança de direção da religiosidade do Ser que, nitidamente não sabendo mais para onde ir, vagueia em qualquer direção. Sob um prisma observa-se certo distanciamento do Ser das religiões em seu formato tradicional, por outro lado, verifica-se um fortalecimento da liberdade individual sobre os aportes religiosos.

Nesse sentido Bellotti esclarece que:

A secularização iniciada no século XIX na Europa e nos Estados Unidos tornou-se uma tendência amplamente acolhida por elites liberais no mundo ocidental, ainda que em ritmos diferentes. No Brasil, a separação oficial entre Igreja e Estado só ocorreu com a constituição da República, em 1891. Ainda assim, ela conseguiu manter sua influência política e cultural até meados do século XX. Dessa forma, a secularização torna-se um fenômeno mais visível no mundo ocidental ao longo do século XX, contribuindo para uma tendência de afastamento cada vez maior entre muitos indivíduos e as instituições religiosas. Não se trata propriamente de um esfriamento da religião, ainda que tenha se confirmado em partes da Europa ocidental ao longo do século XX, mas sim um fortalecimento da autonomia individual sobre as escolhas religiosas. (BELLOTTI, 2011, p.25).

Diante o modo de vida cada vez mais alucinado imposto pela sociedade capitalista de hoje, onde os valores éticos e morais estão se perdendo, muitos vêm na religião um refúgio, uma forma de tentar conservar tais princípios. Apesar disto, a religião está sendo banalizada. Ao invés de ser um meio para tentar se aproximar de Deus (o seu real proposito), está se tornando em alguns casos uma forma de entretenimento, em outros, um negócio onde cada um monta a sua igreja de acordo com suas vontades. Também tornam-se cada vez mais frequentes os escândalos envolvendo líderes espirituais.

As novas características da religiosidade, estão sendo evidenciadas na pós-modernidade, momento em que as identidades religiosas assumem um caráter cada vez mais subjetivo e intersubjetivo, trazendo para o campo individual as possibilidades de arranjos que definem, caracterizam e identificam a pessoa. Esses novos arranjos se sobrepõem a uma infinidade de elaborações desenvolvidas pelos indivíduos, que neste sentido, constrói sua realidade sob a constante inventividade de seu cotidiano (GIDDENS,1991).

Novos conceitos como hibridismo, globalização e desterritorialização, dentre outros, juntam-se e transpõem o antigo conceito de sincretismo. Desta feita, num mundo globalizado, as pessoas abandonam seus antigos modelos de condutas, trocando padrões pré-estabelecidos por novos territórios, inclusive religiosos. As religiões, também modificam-se, influenciam-se e mesclam-se numa decomposição e recomposição que beira o infinito.

Dessa forma, o mundo contemporâneo, livrando-se do peso da “verdade absoluta” tão almejada pela era moderna, brotam as comunidades de “verdades alternativas”, onde cada Ser ou grupo tem a sua. Assim, forma-se uma vasta gama de comunidades onde o Ser busca se proteger da dor, insegurança, incerteza e solidão. Essas comunidades passam a ser uma alternativa de enfrentamento ao cotidiano incerto e uma opção de aderir a uma verdade relativa, aja vista a inexistência de uma absoluta (AMON, 2017).

O Ser religioso contemporâneo incansavelmente procura, busca, anseia pela religião que verdadeiramente o represente. Entretanto, ao contrário das primeiras comunidades religiosas que primavam pela coletividade, hodiernamente pretende-se uma religião própria e particularizada. O Ser pós-moderno, em sua ampla maioria, não abre mão do status de pertencer a uma igreja, mas sua postura na sociedade, em grande parte das vezes, dificilmente corresponde a sua declaração de fé.

REFERÊNCIAS

AMON, D.  Psicologia, comunicação e pós-verdade. Florianópolis: ABRAPSO, 2017.

BELLOTTI, K. K. História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea. História: Questões & Debates. Curitiba: Editora UFPR, 2011.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997

GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

ROUANET, S. P. Mal-estar na modernidade. São Paulo: Cia das letras, 1993.