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A prisao de Lourival Açucena

Em colaboração com o Instituto Ludovicus, Navegos retorna às publicações das Actas Diurnas, do Mestre Câmara Cascudo. Na presente crônica, a prisão de um popular poeta potiguar na Fortaleza dos Reis Magos, assim como sua urgente transferência na época da Festa de Reis, fato esse que foi também lembrado por Henrique Castriciano, mas em Cascudo encontramos novas versões.

*Luís da Câmara Cascudo

[email protected]

Henrique Castriciano contou a história em junho de 1907 e repeti-a no prefácio que escrevi aos “Versos” de Lourival Açucena, editado pelo Instituto Histórico do Rio Grande do Norte em 1927 (p. XV).

Nomeado em 1885, administrador da Mesa de Rendas de Macau, Lourival, depois de muito capitanear serenatas e festanças, foi acusado de ter dado um desfalque de seiscentos mil réis. Com multas e mais partes, a quantia era de um conto de réis. O capitão desapareceu ante a popularidade do Poeta. Na ida e vinda para Macau, o processado era como Príncipe em exílio. Toda gente porfiava em amenizar-lhe o “cárcere” e a rudeza da Lei. Condenado a dois meses de prisão, no forte dos Santos Reis, então sob o comando do capitão Manuel Lourenço, veterano do Paraguai e amigo do suspeito, Lourival teve vida folgada e milagrosa, aceitando as ruidosas visitas de íntimos, com cestas de iguarias e bebidas. Cumprida a pena, deixou-se o condenado ficar mais quinze dias, por sua conta, com saudades de Manuel Lourenço.

Esta história está mal contada. Ouvi-a do prof. Joaquim Lourival, filho do Poeta. Henrique Castriciano deve ter tido a mesma fonte. O velho Panqueca parece-me enganado em sua memória devotadamente filial. Dizia-me ainda que Lourival Açucena escrevera uns versos ao Manuel Lourenço e recitou duas quadras.

Não sei quando se deu o processo contra Lourival Açucena. Devia ter sido em meados de 1887. Ignoro a duração da pena. Esteve realmente preso na fortaleza dos Reis Magos, mas de lá saiu a 5 de janeiro de 1888. O comandante da praça era o capitão Manuel Lourenço da Silva. O Poeta, obrigado a deixar a fortaleza justamente na véspera da melhor festa do ano, a festa dos Reis, cuja capelinha estava dentro do forte e atraía multidões de devotos e ondas de violões boêmios, só podia ter viajado com profunda mágoa. Fidalgamente, em recordação do tratamento recebido, escreveu uns versos e colou o papel na porta inferior de um dos quartos do Estado Maior, onde estivera recolhido. Encontrados e lidos, popularizaram-se imediatamente. O hebdomadário “Gazeta do Natal” publicou-os, contando a história, em seu no.  110, de 9 de março de 1889. Lourival, possivelmente pela nenhuma penitência de sua prisão na Santos Reis Magos, fora transferido para o Quartel do Corpo de Linha, ficando no Estado Maior, por ser capitão da Guarda Nacional. E aí deve ter cumprido a condenação. Se ficou mais quinze dias na fortaleza seria indo para a companhia do Manuel Lourenço. O lugar designado ficara sendo, ao que se deduz, o quartel em Natal. Os versos são estes:

 

O Capitão

Manuel Lourenço

É um herói,

É grande, imenso…

 

Brilha ao seu lado

Valente espada,

Que defendeu

A Pátria amada.

 

E essa espada

D’altas batalhas

Relampejou

Entre as metralhas.

 

Mostrou na guerra

Fera bravura,

Só tem na paz

Honra e ternura!

 

O varão nobre

Que manda aqui

É de Goiana,

Nasceu ali.

 

Amigo certo,

Franco e leal,

É de finezas

Manancial.

 

Quem isto escreve

Sabe o que diz,

É um Poeta,

Preso, infeliz.

 

Orem por ele

Aos Santos Reis,

Qu’é exator

Sem ter dez réis!

 

Também Camões,

Por crime igual

Teve em Macau

Prisão fatal…

 

O homenageado foi pessoalmente agradecer a Lourival as quadrinhas encomiásticas.

E qual a história desse Manuel Lourenço da Silva? Pernambucano, pertenceu aos Voluntários da Pátria, fazendo a campanha do Paraguai com distinção pessoal e bravura notória. Capitão honorário do Exército, comandou, durante muitos anos, a fortaleza dos Reis Magos. Era condecorado com o hábito da Imperial Ordem da Rosa, medalha do Mérito Militar e Campanha do Paraguai, no. 5. Faleceu em Natal, às quatro horas da tarde, de 14 de outubro de 1889.

Tão rico de bondade comunicativa como paupérrimo de moeda cunhada, seus companheiros de guarnição e amigos enterraram-no com subscrição.

Na galeria das figuras esquecidas, nessa visita de saudade, recordo aos nossos olhos displicentes, a figura desse Manuel Lourenço, com suas medalhas, seu riso, seu violão, cantando ao luar entre os focinhos de ferro dos canhões silenciosos, na velha for

A República, Natal, Quinta-Feira, 30 de novembro de 1939.

Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO