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A residência do Maestro

O pesquisador e historiador Gerinaldo Moura da Silva continua a contar-nos a história dos velhos casarões e dos engenhos do Ceará-Mirim.

*Gerinaldo Moura da Silva

Ceará-Mirim é uma cidade que ainda guarda parte de seu patrimônio arquitetônico, embora muito do que foi construído de forma expressiva ao longo dos séculos, tenha sido alvo da destruição ou modificação (parcial e/ou completa) por parte dos seus proprietários descaracterizando nossa história visual, principalmente na parte baixa da cidade por onde começou o processo de urbanização.

Da atual Avenida Presidente Café Filho até a Praça Onofre José Soares, agregando as ruas adjacentes (o corredor histórico de Ceará-Mirim), estão localizadas as mais antigas residências bem como prédios públicos construídos de forma a unir diversos estilos, não seguindo uma ou outra escola artística, pois a base é constituída de um grande ecletismo arquitetônico.

Foi nesse corredor cultural da cidade dos verdes canaviais que o senhor Luiz Ferreira da Silva construiu seu casarão de linhas sóbrias. Em estilo eclético, baseado no Neoclássico movimento em oposição aos exageros do Barroco, onde se pode observar simplicidade e equilíbrio das formas expressando harmonia e beleza estética. Também podem ser vistos elementos da Art Decó, representada pelas linhas retas e formas retangulares e geométricas bem marcadas, usando ainda uma ornamentação de forma pontual. As cores do casarão eram neutras nas fachadas e designer abstrato.

Segundo acadêmica e Poeta Drª Heloisa Brandão:

“O casarão do maestro Luiz Ferreira era uma das mais antigas construções da cidade com portas e janelas enormes, parecia um palácio, havia no quintal um pomar mas era a mangueira na entrada da casa que chamava a atenção e vive ainda hoje, é quase centenária…”

(Brandão, Heloísa. Acadêmica da ACLA- Academia Ceará-mirinense de letras e Artes Pedro Simões Neto. Depoimentos. Natal/RN 2020)

Ainda sobre o casarão do músico senhor Luiz Ferreira, o também acadêmico José de Anchieta Cavalcanti, assim se expressa, em um texto memorialístico:

“O casarão de Luiz Ferreira da Silva, ficava situado à Rua São José, de frente para minha casa – hoje Biblioteca Pública Municipal – e diante do Café de Cleto, ponto preferencial para os encontros diários entre os amigos da cidade. O casarão da Luiz Ferreira se constituiu durante muito tempo de um verdadeiro Centro Musical da cidade, pois todos seus filhos, juntamente com alguns amigos enveredaram pelos caminhos melodiosos da música. O aspecto visual do casarão era um tanto lúgubre, possuidor de um jardim cheio de árvores frutíferas como mangueiras, cajazeiras, umbuzeiros que juntamente com um enorme viveiro de pássaros onde uma hamburguesa emitia constantemente seu triste cantar, davam ao ambiente aquele tom de nostalgia nas áreas verdes do casarão”.

(Cavalcanti, José de Anchieta. Acadêmico da ACLA- Academia Ceará-mirinense de Letras e Artes Pedro Simões Neto. Memórias de Infância. Natal/RN).

Assim como nossos monumentos vão desaparecendo, os antigos nomes dos logradouros também vão sendo trocados por outros, para prestar homenagens a alguns figurões da política ou da sociedade local. A poeta Heloísa Brandão assim se refere à localização do casarão: “… o endereço também mudou eram as ruas de nomes São José com a Rua da Aurora atualmente a Rua Dr. Manoel Varela com a Rua Dr. Heráclio Villar.”

A antiga moradia de seu Luiz Ferreira hoje não existe mais, no privilegiado local onde estava. Após sua demolição surgiu uma outra casa de características bem modernas para a época, construção datada dos anos quarenta (quando houve a demolição do prédio antigo) aos anos cinquenta, aproximadamente, que vai ser palco da nova moradia. No início, a família de Luiz Ferreira era a proprietária do casarão que foi adquirido anos depois aos seus herdeiros, pela família do senhor Valmir Varela, incluindo entre eles a senhora Celina Varela, filha do maestro.

Sobre a demolição do casarão e a nova casa que vai assomar à esquina da Heráclio Villar, o professor e arte-educador Gibson Machado, sócio fundador da ACLA- Academia Ceará-mirinense de Letras e Artes Pedro Simões Neto assim se reporta:

Sobre a demolição do casarão. Em 1940 ele foi invadido por cupins. Dona Celina estava para casar, daí, não havia recursos pentão o demoliu, e, a própria Celina, desenhou o novo projeto que permanece atualmente. Um projeto arquitetônico bem diferente e muito avançado para sua época, quando não se pensava em preservação. A proprietária e construtora da casa era uma mulher muito avançada pro seu tempo. Certamente se fosse hoje não o teria demolido. Ele foi demolido em 1941. Essa cor poderia ser voltado pra uma cor terrosa. Não lembro de D. Celina me dizer a cor.”

(ALVES, Gibson Machado. In Face book redes sociais)

A nova casa que substituiu o velho sobrado, abrigou o casal Valmir Varela e Celina Varela com seus filhos, até que com o falecimento de ambos ela foi vendida. Com seu terraço em forma de “L”, mantêm sua imponência com seu vasto quintal onde reina soberana a mangueira já centenária com seus saborosos frutos: a manga rosa,

Com o passar dos anos a casa sediou uma parte da Secretaria Municipal de educação e Cultura, onde estava instalada logo na entrada (sala principal) a Biblioteca do Mobral, cuja coordenadora era a professora Darcy (in memoriam). Também abrigou temporariamente o 2º Cartório (Cartório de seu Antonio Potengi) e atualmente sedia a SEMTAS – Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social, locada ainda na gestão do ex-prefeito Dr. Marconni Barretto.

O acesso ao interior da casa se dá pela Rua Dr. Manoel Varela, após ultrapassar um pequeno lance de escadas. O arejamento e ventilação no interior se dá por várias janelas que circundam a residência. De localização privilegiada, a calçada já serviu e serve de palco para várias manifestações sociais, políticas e religiosas como os encerramentos dos grandes comícios, desfiles cívicos do 07 de Setembro, local de homilias na Procissão do Encontro e desfiles dos antigos blocos de carnavais.

Em homenagem à memória do grande maestro Luiz Ferreira da Silva, existe uma artéria em Ceará-Mirim, nominada de Rua Luiz Ferreira, que muitos a conhecem pelo codinome de “Rua do Bacurau”, que se inicia na Rua Presidente Café Filho (próximo à Estação Ferroviária) e termina no Mercado das Frutas e Verduras, na Rua São Pedro.