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A sedução do sinistro

A força embriagadora da maldade é o antídoto contra o veneno da mediocridade.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

O que seria da humanidade sem o mal?

Eu estava relendo algumas páginas de alguns autores e ouvindo algumas músicas, quando me veio essa pergunta, como se um demônio a sussurrasse em meu ouvido, delicadamente, como Satã astuto sabe fazer.

O mal um é pequeno momento doce que embriaga, porém pode ser tão ínfimo, um mero detalhe, que quando percebido, faz muita diferença porque eleva a alma de quem o percebe a um outro nível de sensibilidade.

Quando G.H., na obra de Clarice, percebe que o quarto da empregada é limpo – e se surpreende! -, esse momento de maldade se infiltra; quando Bentinho admira os olhos de Capitu, a serpente sibila; quando Albertina e Andrea roçam seus seios, dançando, todo o inferno é espremido entre aqueles mamilos rosados.

São cenas tão comuns. Uma patroa que resolve limpar o quarto da empregada porque esta, sendo de classe inferior, é suja; uma ideia fixa de ciúme – a coisa mais banal em uma história de amor; uma dupla de garotas que dançam, trivial demais.

Porém a maldade está nos detalhes mais ínfimos, o Diabo mora lá. A tarefa do escritor é abraçar a maldade e desvendá-la, a tal ponto que o leitor possa se sentir abençoado pelo mal.

Páginas de um diálogo sinistro que retira da vida o espaço e o tempo e leva o leitor à embriaguez de se sentir superior porque percebeu o mal e este se mostrou bom.

Não é o que sentimos, em vários níveis, quando lemos As flores do mal?

Por muitos anos eu procurei entender o que restava quando os acordes das harmonias wagnerianas estavam próximos de seu fim e daí, em outros compassos, surgiam outros acordes.

É a transição do mal.

Satanás, lá no finzinho do som, nos subtextos do pentagrama, flutuando misticamente.

Mesmo em Parsifal, quando as crianças cantam na cena da Eucaristia, o mal se ergue puro, sombrio e delicado, sedutoramente da carne dos infantes.