*Francisco Alexsandro Alves
Este é o segundo artigo que aborda questões de gênero em Bayreuth. O primeiro está aqui: https://www.navegos.com.br/o-feminino-no-homem-wagneriano/ Siegfried Wagner nasceu em Tribschen, Suiça, em 6 de junho de 1869 e morreu em Bayreuth, em 4 de agosto de 1930. É o terceiro filho do casal Richard e Cosima Wagner. Compositor, regente e libretista. Ainda na adolescência, Siegfried assume sua condição homoafetiva para a família; aos 20 anos, inicia um romance com o pianista e compositor Clement Harris, que tinha à época, 17 anos. Foi a maior paixão da vida de Siegfried. Tinham temperamentos bem diversos. Enquanto Siegfried era calmo, falava mansamente e demonstrava uma educação refinada, Harris era seu oposto: espírito inquieto e revolucionário, um artista com espírito de soldado que, em busca de aventuras, encontrou a morte. Em 24 de março de 1897, explode a Guerra dos Trinta Dias, entre a Grécia e a Turquia. Fascinado pela Grécia, Harris forma seu próprio batalhão de mercenários e luta do lado dos gregos. Em 23 de abril daquele ano, aos 25 anos, ele e seu batalhão são capturados e mortos pelos turcos. Sua morte foi comemorada por Stefan George, poeta simbolista alemão, também homoafetivo, que considerava o estilo de vida de Harris “depravado”. Sob a ótica de George, a homossexualidade, na época denominada de “inversão”, conforme lemos em Marcel Proust, deveria ser escondida, os homoafetivos, casarem-se, terem filhos e viverem uma vida dentro desse padrão heterossexual tradicional. Hugo von Hofmannsthal, escritor modernista vienense, amigo de George, homoafetivo, também compartilhava da mesma opinião sobre o assunto. De fato, Hofmannsthal casaria alguns anos mais tarde.
Em 1907, o tenebroso caso Harden-Eulenburg toma conta dos jornais alemães. O jornalista judeu Maximiliano Harden publica uma lista de nomes do alto escalão do II Reich, nomes ligados diretamente ao Imperador Wilhelm II e ao seu chanceler Bernhard von Bülow. Estes nomes integravam uma sociedade secreta na propriedade de Liebenberger, pertencente ao Príncipe de Eulenburg. Segundo Harden, essa sociedade exclusivamente de homens, praticava e estimulava atos homossexuais entre si, sobretudo a sodomia, e era liderada pelo Príncipe de Eulenburg, amigo íntimo e confidente do imperador. Todo o alto escalão do II Reich é atingido em cheio: nomes de condes, de príncipes, de generais, de coronéis e até o filho do falecido Imperador Bismarck estão na lista. Foi um escândalo tão impactante e que dividiu os alemães, à maneira do caso Dreyfus francês.
O círculo de artistas reunido em torno de Cosima Wagner em Bayreuth permanece temeroso com o desenrolar dos acontecimentos. O temor era de que, paralela à lista de oficiais e nobres, também houvesse ou surgisse em algum momento, uma lista de artistas. Isso porque Harden, em várias ocasiões, ao falar sobre Siegfried, o chamava de: “o senhor da caixinha de música colorida”. Contrariada, porque aceitava a condição sexual de seu filho, Cosima ruma para a Inglaterra em busca de uma esposa para Siegfried. Impetuosa, implacável e prática, Cosima sempre estaria disposta a sacrificar qualquer ideal pela sobrevivência dela, dos seus e, acima de tudo, de Bayreuth, o legado de Wagner.
A esposa seria a jovem inglesa Winifred Marjorie Williams. Foi tudo explicado. Cada detalhe. Winifred foi uma escolha acertada. Cosima sempre foi uma empresária nata. Sabia “tocar os negócios”. O casamento transcorreu sempre muito feliz e dessa união nasceram quatro filhos: Wieland, em 1917, Friedelinda, em 1918, Wolfgang, em 1919 e Verena, em 1920.
Havia uma pressão para que Cosima desvinculasse de Bayreuth antigos associados, todos homoafetivos, porém ela nunca cedeu a isso. Mesmo porque, parte dos cenários e figurinos de “Parsifal”, “a obra santa de Wagner”, são de Paul von Joukowsky, cenógrafo abertamente homoafetivo que, junto com seu companheiro, eram parceiros de viagem do casal Wagner.
Uma das obras mais famosas de Siegfried, seu poema sinfônico “Sehnsucht”, “Desejo”, é dedicado a Clement Harris.