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A sombra de Hitler sobre Bayreuth

Colaborador de Navegos, em sua série especial sobre o Festival Wagner, discute a incomoda ascendência nazista sobre a herança do mais célebre compositor alemão.

*Francisco Alexsandro Soares Alves

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A ideia original de Wagner em torno de sua última grande obra, “Parsifal”, era de que ela deveria permanecer exclusiva da Casa dos Festivais e nunca ser apresentada em outros teatros. Além disso, mesmo em Bayreuth, a obra deveria ser apresentada apenas nos dias de festival e, sempre, todos os anos, sem interrupção. Como vimos no artigo anterior, em Bayreuth havia, até a década de 50, o costume de não aplaudir os espetáculos, à maneira de um culto religioso, saía-se do espetáculo calado. Essa sacralidade está em toda essa obra: do tema aos cenários, da música ao texto e na ideologia que cerca a obra: uma mistura de cristianismo, budismo e pacifismo.

Em 22 de julho de 1925, Adolf Hitler, então com 43 anos, participa de seu primeiro Festival Wagner, em Bayreuth. Alguns anos antes, ele havia se tornado íntimo da família, sendo admirado por Cosima Wagner, então viúva (Wagner morre em 13 de fevereiro de 1883), por seus filhos e por sua nora Winifred, casada com Siegfried. A admiração dos Wagner por Hitler era política: as ideias de renascimento alemão e o ódio que nutriam pela República de Weimar davam o tom dos discursos à mesa depois de terminadas as apresentações no teatro, do futuro “Führer”.

Em 01 de abril de 1930, morre Cosima e, quatro meses depois, em 04 de agosto, Siegfried. Com a viuvez e, sendo agora matriarca de Bayreuth, Winifred se aproxima ainda mais da política e, quando Hitler assume o poder em 1933, a Casa dos Festivais de Bayreuth é nomeada oficialmente símbolo cultural do III Reich. A amizade, cada vez mais íntima entre Winifred e Hitler, geraram rumores de caso amoroso, sobretudo porque Hitler proibiu sua noiva Eva Braun de frequentar Bayreuth. Em um longo documentário de 4 horas dirigido por Hans-Jürgen Syberberg em 1975, “Winifred Wagner und die Geschichte des Hauses Wahnfried von 1914-1975” (Winifred Wagner e a história da casa Wahnfried de 1914-1975), disponível no You Tube, ela comenta que além de Hitler ter proibido a senhorita Braun de frequentar Bayreuth, também proibiu que na cidade se pronunciasse seu nome.

Com a adesão quase integral dos Wagners à nova política alemã, as produções seriam adornadas, no palco, com bandeiras e símbolos do III Reich, além disso, cada nova produção era preludiada por discursos do “Führer”. No entanto, havia uma pedra no meio do caminho. A última obra wagneriana, “Parsifal”, incomodava Joseph Goebbles, Alfred Rosenberg, outras lideranças próximas e o próprio Hitler. Sobretudo com o início da Segunda Guerra em 1939 e os discursos beligerantes de Hitler, como conciliar isso com “Parsifal”? A mensagem dessa obra é pacifista e antibeligerante. O ideólogo nazista Rosenberg afirmou: “Parsifal é um enfraquecimento da vontade ariana em favor de um valor estrangeiro”. Hitler ficou apreensivo, porém concordou que os soldados arianos não deveriam assistir “Parsifal”. Gobbles foi mais além e desejou proibir a encenação dessa obra em todo o território alemão, inclusive em Bayreuth. Segundo ele, a obra continha comportamentos não masculinos, feminis e amolecidos, sobretudo do personagem-título. Gobbles se referia às atitudes de Parsifal em destruir armas, demonstrar compaixão e chorar. Também a mãe do personagem, “Herzeleide”, foi atacada por Gobbles, uma mulher que não permite seu filho ir à guerra e lamenta que seu marido tenha caído em combate, não seria uma “mãe ariana”.

Então, entre 1939-1945, “Parsifal” foi proibida na Alemanha. O constrangimento entre os Wagners foi grande e amargo, todavia engoliram. Porém não parava por aí. Hitler também confiscou alguns instrumentos especiais construídos para executarem certas passagens dessa partitura: dois sinos, pesadíssimos, e com uma sonoridade espetacular. Os sinos foram construídos por inspiração de Wagner, portanto, estavam na Casa dos Festivais desde a estreia da obra em 1882. Os sinos nunca mais foram encontrados. Se conjectura que tenham sido derretidos e transformados em munição.

É possível ouvi-los aqui: https://www.youtube.com/watch?v=M_ryQa4Ozw0&ab_channel=MusicLover, no minuto 22:04, gravação realizada em Bayreuth em agosto de 1927.