*Alexsandro Alves
A deusa romana Vênus é associada ao amor e à procriação, bem como à beleza.
Geralmente, quando retratada, ela está em cenas exteriores, em contato com a natureza.
Um detalhe que sempre me chamou atenção é que essa personagem, tão erótica, nunca recebia um tratamento dentro desse contexto, de erotismo.
O nascimento de Vênus, de Botticelli, ecoa um concerto de Vivaldi, como A Primavera, de tão exuberante. Mas não é erótico.
A escultura Êxtase de Santa Teresa, de Bernini, consegue, apesar do tema religioso, ser erótica. Transmitir, mesmo que pelo sofrimento, uma noção de intensa carnalidade.
Botticelli é gracioso.
Contemplem a Vênus de Urbino, de Ticiano.
Uma mulher nua, em um quarto, reclinada em uma cama – ou divã – nos encara, séria. Seus olhos são voluptuosos, sua pele, muito branca, e seus cabelos, loiros, pendem em direção aos seios. Estes, pequeninos como os de uma donzela; sua mão direita segura flores vermelhas, enquanto a esquerda repousa, protegendo delicadamente sua vagina. Seus pés também são vistos.
Ao fundo, duas criadas. Uma, de joelhos em um baú aberto, como se buscasse algo; a outra, em pé, parece orientar seu trabalho.
A cena é interior, portanto, e numa janela, que parece ser de um palácio, uma murta em vaso.
Excetuando as flores e a murta, símbolos da deusa, nada mais indica que esta mulher seja Vênus. Porém, esta pintura possui uma atração e um erotismo que as Vênus da época não tinham.
A pintura foi encomendada em 1538, por Guidobaldo Secondo Della Rovere, duque de Urbino, um nobre de Veneza, que a colocou em seu quarto na noite de núpcias.
Se a pintura carece de elementos mitológicos que simbolizem a deusa, está cheia de elementos que conferem seu dever social.
A vagina coberta, embora o olhar da moça seja convidativo, harmoniza na ideia com o cachorro que dorme ao seu lado – símbolo da fidelidade. A preferência por colocar a cena dentro do palácio do duque, ao invés de pô-la como usualmente, na natureza, demonstra as expectativas em torno da retratada.
Tecnicamente, há uma harmoniosa distinção entre os elementos verticais e horizontais da pintura. Traçando uma linha inclinada, do canto superior esquerdo ao canto inferior direito, notamos que os elementos verticais, como personagens em pé, colunas, vasos, árvores e a parede que separa os ambientes, estão na parte superior; enquanto os elementos horizontais: cama, mulher reclinada, cachorro deitado, estão na parte inferior.
A luz também é importante. Se a escola renascentista florentina se desenvolveu a partir da corporeidade de seus personagens, os renascentistas venezianos escolheriam a cor como seu elemento principal e enfático.
É a luz de Veneza. Cidade marítima, onde o sol nasce como benção direta de Maria, a padroeira não oficial, mas padroeira do coração dos venezianos.
A cor peculiar dessa cidade os pintores de Veneza começaram a retratar em seus quadros, isso levou-os a se afastarem mais dos seus colegas de Florença e a desenvolverem uma pintura baseada no tonalismo – o estudo da cor no espaço.