*Rainer Zitelmann
A propriedade privada ainda é propriedade privada se o Estado disser ao suposto proprietário com detalhes exatos o que pode ou deve ser feito com ela?
Propostas de novos regulamentos da UE sobre o desempenho energético de edifícios residenciais estão causando agitação em muitos países europeus. Veja a Alemanha, por exemplo: os cálculos mostram que os proprietários alemães sozinhos seriam forçados a gastar 200 bilhões de euros por ano em atualizações de eficiência energética! Isso equivale a quatro vezes o orçamento anual de defesa da Alemanha. De acordo com estimativas, o custo de um sistema de aquecimento com economia de energia e isolamento térmico para uma casa unifamiliar é de pelo menos 100.000 euros.
Se a diretiva da UE será eventualmente implementada em sua forma atual, ainda é uma questão em aberto, mas o debate por si só é suficiente para abalar centenas de milhares de proprietários. Este é apenas um dos muitos exemplos de como a UE está cada vez mais transformando a economia europeia em uma economia planejada. A expressão “economia planejada” pode parecer exagerada para alguns leitores que a associam à nacionalização de meios de produção e imóveis. No entanto, a economia planejada moderna funciona de forma diferente: formalmente, os proprietários permanecem proprietários, mas eles são gradualmente destituídos do controle sobre seus ativos à medida que o Estado determina cada vez mais o que eles são permitidos ou obrigados a fazer com sua propriedade.
A proibição do registro de carros novos com motores de combustão na UE a partir de 2035 é outro exemplo: não são mais as empresas ou os consumidores que decidem o que é produzido, mas os políticos e os funcionários públicos. Isso é sustentado pela crença de que, quando se trata do que é bom para as pessoas, os políticos sabem melhor do que milhões de consumidores e empreendedores.
Essa é precisamente a diferença entre uma economia de mercado e uma economia planejada: uma economia de mercado é a democracia econômica em ação. Todos os dias, milhões de consumidores decidem o que é e o que não é produzido. Os preços enviam um sinal às empresas sobre quais produtos são necessários e quantos e quais não são.
Voltando ao exemplo do setor imobiliário, muitos países têm uma extensa legislação de aluguel que impede que os proprietários garantam os aluguéis que poderiam ser obtidos no mercado livre. Na Alemanha, por exemplo, isso é alcançado por meio de todo um pacote de leis: um teto de aumento de aluguel (Kappungsgrenze) determina a porcentagem e o nível de aumentos de aluguel permitidos. Mesmo quando a inflação atinge 7% ou mais por ano, os aluguéis em muitas cidades alemãs só podem aumentar em um máximo de 5%. O SPD, o parceiro sênior da coalizão governante da Alemanha, agora está pedindo que o teto seja reduzido para 2%, o que na verdade equivale a expropriação cumulativa. Em termos reais, o valor dos aluguéis está caindo ano após ano. Depois, há o freio de preço de aluguel, que determina quanto o senhorio de um apartamento existente pode cobrar ao alugá-lo.
Como resultado, o suposto proprietário de uma propriedade é cada vez mais limitado: o governo impõe obrigações de renovação quase inacessíveis aos proprietários – veja a série de diretivas de desempenho energético alemãs e europeias – e os força a cumprir requisitos ambientais cada vez mais rigorosos e cada vez mais caros para novos prédios. Ao mesmo tempo, impede que os proprietários garantam os aluguéis que poderiam obter no mercado livre. Na verdade, os proprietários se tornam pouco mais do que gerentes de propriedade nomeados pelo governo. No entanto, na pior das hipóteses, eles também perderão seus direitos formais de propriedade se a lacuna entre o que o governo lhes permite ganhar e o que o governo os obriga a gastar continuar a aumentar.
Esse frenesi regulatório não afeta apenas o setor imobiliário, mas também tem um impacto significativo nas empresas: a UE não se contenta em regular seus países membros e as empresas sediadas neles. A chamada Diretiva da Cadeia de Suprimentos da UE foi projetada para responsabilizar as grandes empresas da UE se, por exemplo, seus fornecedores no exterior operarem sob regulamentos de saúde e segurança ocupacional ou padrões ambientais que não atendam às expectativas da UE. Outro regulamento europeu, o CBAM, introduz tarifas de carbono nas importações de todo o mundo. Se, por exemplo, uma empresa importar parafusos da Índia, onde os padrões climáticos da UE não se aplicam, ela terá que pagar mais. É assim que Bruxelas quer reduzir as emissões – não apenas dentro da União Europeia, mas em todo o mundo.
No entanto, a erosão dos direitos de propriedade não é um fenômeno exclusivamente europeu. Nos EUA, os direitos de propriedade também estão sendo constantemente corroídos sob a bandeira do Novo Acordo Verde. Isso continuará até que o proprietário ou gerente de uma empresa seja reduzido a um mero agente da burocracia. O governo estipulará quais bens e serviços devem ser fornecidos (e como) por meio de leis cada vez mais rígidas. Em algum momento, os empresários serão apenas funcionários públicos.
* O autor, Rainer Zitelmann, é doutor em História e Sociologia. Autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, “O Capitalismo não é o problema, é a solução”.
** Publicado originalmente no excelente site do Instituto Liberal, em https://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/esta-e-a-verdadeira-face-do-socialismo-moderno/