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Afinal, Camus, O Que É Arte?

Albert Camus traça paralelos entre a arte e a vida e como cada artista soluciona questões sobre a existência em suas obras ao mesmo tempo em que procura categorizar o grande estilo.

*Albert Camus

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Então o que é arte? Nada simples, com certeza. E é ainda mais difícil saber no meio dos gritos de tanta gente decidida a simplificar tudo. Quer-se, por um lado, que o gênio seja esplêndido e solitário; por outro lado, dizem a ele para ser como todo mundo. Mas, infelizmente, a realidade é mais complexa. Balzac deu a entender nesta frase: “O gênio se parece com todos e ninguém se parece com ele”. O mesmo acontece com a arte, que nada é sem a realidade, e sem a qual a realidade é muito pouco. Com efeito, como poderia a arte prescindir da realidade e como poderia submeter-se a ela? O artista escolhe seu objeto tanto quanto é escolhido por ele. A arte, em certo sentido, é uma rebelião contra o mundo naquilo que é fugidio e inacabado; Ele não propõe, então, outra coisa senão dar outra forma a uma realidade que, no entanto, ele é obrigado a preservar porque é a fonte de sua emoção. A este respeito, somos todos realistas e ninguém é. A arte não é a negação total nem o consentimento total do que é. É ao mesmo tempo negação e consentimento, e por isso só pode ser um rasgar perpetuamente renovado. O artista está sempre nessa ambiguidade, incapaz de negar o real e, no entanto, eternamente empenhado em negá-lo naquilo que é eternamente inacabado. Para fazer uma natureza morta, um pintor e uma maçã devem se enfrentar e se corrigir. E embora as formas não sejam nada sem a luz do mundo, elas, por sua vez, acrescentam sentido a essa luz. O universo real que, por seu esplendor, dá origem a corpos e estátuas, recebe deles ao mesmo tempo uma segunda luz que fixa a do céu. O grande estilo está, portanto, a meio caminho entre o artista e seu objeto.

Não se trata, então, de saber se a arte deve se esquivar da realidade ou se submeter a ela, mas apenas saber a dose exata de realidade com que a obra deve ser sobrecarregada para que não desapareça nas nuvens ou seja arrastado, ao contrário, com solas de chumbo. Cada artista resolve esse problema da melhor maneira que pode ou entende. Quanto mais forte a rebelião de um artista contra a realidade do mundo, maior o peso do real necessário para equilibrá-la. A obra mais elevada será sempre, como nos trágicos gregos, em Melville, Tolstói ou Molière, aquela que equilibra o real e a sua negação num renascimento mútuo semelhante a essa primavera incessante que é igual à vida alegre e comovente. Então, de tempos em tempos, surge um mundo novo, diferente daquele de todos os dias e, no entanto, o mesmo, particular, mas universal, cheio de insegurança inocente, erguido por algumas horas pela força e pela insatisfação do gênio. É isso e ainda não é isso; o mundo é nada e tudo, eis o duplo e incansável grito de todo verdadeiro artista, o grito que o mantém de pé, de olhos sempre abertos, e que, de vez em quando, desperta para todos no seio do mundo adormecido, a imagem fugidia e insistente de uma realidade que reconhecemos sem nunca a termos conhecido.

Albert Camus,

em uma conferência na Suécia,

em 14 de dezembro de 1957.

 

O escritor.