*Francisco Aleksandro Soares Alves
O Verniz dos Mestres [Editora Feedback, Natal, 2020; 84p.] é novo livro de Franklin Jorge, autor que se distingue nas letras potiguares pelo sopro de verdade e riqueza poética de seus textos. O livro é uma seleção de artigos que Franklin escreveu para jornais e versam sobre Marcel Proust, autor francês da maior obra literária do século XX: Em Busca do Tempo Perdido, em sete volumes.
Os textos abordam vários aspectos da escrita proustiana e da sua obra maior em particular: música, arte, sociedade, memória, a técnica motívica proustiana. Não diria que seja uma obra para iniciar-se em Proust. É uma obra para quem já conhece o romance fluvial do francês. Porque ficamos desnorteados com a intimidade de Franklin com Proust. Que leitor seguro e devotado. É assim que se forja a alma de um grande escritor e é um deleite testemunhar a entrega de Franklin a um de seus mestres secretos.
Essas reminiscências franklin-jorgianas remetem à infância do autor na Várzea do Assú, quando a irradiação de Proust o encantou ainda em idade pueril. Ao longo de sua vida, o caminho de Proust abriria para Franklin seu próprio caminho.
Mas, se não é para quem desconhece Proust esse livro, por que todos de qualquer forma precisam lê-lo? Notamos as camadas de diálogo presentes no texto. Franklin dialoga com Proust, redescobre o tempo perdido pela memória afetiva de sua leitura predileta e perscruta a técnica de antecipações e reminiscências da obra proustiana. Há o diálogo entre o leitor e Franklin, porque este ciceroneia o leitor pelas torres negras da alma de Proust. E há o nosso próprio diálogo introspectivo, à medida em que subimos cada vez mais alto pelas escadarias dessas torres. Quando chegamos ao fim do livro e precisamos aceitar que temos que ceder tempo ao tempo perdido, para redescobri-lo, caso nunca o tenhamos feito, notamos a tarefa hercúlea que Franklin ao longo dos anos tem se dedicado. Evidente que poucos leitores de Proust se tornarão escritores, porém todos, caso em si tenham grandeza, reconhecerão que, ao navegar nas memórias de Marcel, o narrador do livro, por instantes ínfimos infinitos, partilharam da riqueza e da degeneração do próprio Proust transfigurada em ritual estético profano.
O material de Proust foi colhido em sua própria experiência nos diversos grupos sociais que participava. Quando sentiu-se apto ao trabalho, recolhe-se. E a memória vai vindo como rio caudaloso, fluindo e criando polifonias de desconstrução da narrativa.
Se o forte de Em Busca do Tempo Perdido é a ação da memória revivida, ela funciona em leitmotiv. Ínfimo, às vezes um biscoito que é molhado em um chá, abre uma torrente imagens reais retrabalhadas no presente.
E assim precisamos entender que mais de uma leitura é necessária para entrarmos nessa obra com a mesma segurança de Franklin, con amore.
Mas não se assustem. O livro é simplesmente tão bem escrito e delicioso de ser lido, que mesmo que não conheçamos Swann ou os Guermantes, lemo-lo como se ouvíssemos um amigo perscrutar a existência de amigos dele, que mesmo que não os conheçamos, a prosa é tão fascinante e rica que já não precisamos saber de mais nada, a não ser uma coisa: nós não conhecemos Swann ou os Guermantes, mas é uma dádiva encontrar quem já passou muitos momentos na intimidade deles e agora projeta essas memórias para as nossas memórias.