*Alexsandro Alves
Insistentemente, tenho pensando nessa música, popular na voz de Benito di Paula.
É um samba-canção, uma joia da música popular brasileira que une o gingado do samba à suavidade da canção.
Por uma dessas coincidências que a vida planeja sem nosso parecer prévio, e talvez por isso a nós pareça “coincidência”, estava no Nordestão da Deodoro quando nos alto-falantes do supermercado essa música toca.
Eu continuava a pensar nela e meus ouvidos então se uniram ao meu pensamento.
Nunca amei ninguém.
Às oportunidades para isso, eu respondia com desconhecimento de causa, estava justificado.
Não amar tem suas grandes vantagens.
A primeira delas, é compreender e sabotar um feitiço que pode nos tirar do foco. A negação é um para-brisa na chuva, te mantém na tua estrada em tempos ruins. Muitos carros colidem por não prestarem atenção nisso.
A segunda vantagem: solidão.
A solidão fornece momentos únicos para nós mesmos. Porém ser solitário é um aprendizado. É como sofrer. Se precisa aprender com a prática!
Eu imagino que um dos vícios da alma humana é atrelar a sua felicidade ou infelicidade à companhia de um outro.
A terceira grande vantagem é um desdobramento da segunda.
Chama-se coragem. Ao não atrelar sua felicidade ou infelicidade a alguém, você só tem uma única saída: aceitar suas alegrias e suas tristezas como decorrentes de suas escolhas. Não há ninguém para receber uma ovação ou uma culpa que de fato não tem, apenas nós mesmos.
Aprendemos a descobrir e a encarar as nossas fraquezas e as nossas fortalezas em um monólogo que, aos poucos, se transforma em diálogo: o eu de ontem com o eu de hoje.
Quem tem tempo de se procurar se achou o outro? Terá que dá conta deste.
O Paraíso somos nós.
Então essa música?
Essa música fala que o eu poético amou demais! Amou excessivamente.
Deve ser algum eu novo rindo de mim. Compreendi assim. Em algum momento ele pedirá voz e me ensinará a rir com ele.
***
Mas há outro detalhe.
Desconcertante.
Essa música me lembra a doçura de uma mulher que partiu e eu fiquei sozinho aqui. Uma doce e tranquila mulher que me deu adeus em seu tempo.
Permanecendo aqui, solitário, limpando o para-brisas, mas olhando pelo retrovisor.
***
Aí, eu parei durante longos minutos nos corredores do supermercado.
Toda a música popular brasileira tem a sua lembrança.