• search
  • Entrar — Criar Conta

Ainda Beethoven

Colaborador de Navegos continua em sua investigação minuciosa da produçao sinfônica de grande musico alemão.

*Alexsandro Alves

[email protected]

Eu acredito que todos, quando se propõem a ouvir em sequência as sinfonias de Beethoven, esperam com ansiedade pela Nona. Por vários motivos. Dos três grandes clássicos, Beethoven é o que escreveu o menor número de sinfonias: Mozart escreveu 41, Haydn, impressionantes 104 sinfonias. Além disso, a organicidade das sinfonias beethovenianas, aliadas a sua originalidade – cada uma das nove são diferentes entre si – favorecem uma apreciação mais variada nos aspectos mais particulares de cada uma das nove sinfonias. Por exemplo, a simplicidade da Quarta em oposição à monumentalidade da Terceira; a contemplação da natureza na Sexta em oposição aos problemas políticos da Quinta e assim por diante. É sempre uma novidade cada sinfonia de Beethoven. Por vezes, uma sinfonia de Haydn parece igual à outra. E são tão galantes, tão clássicas, que podem soar hoje como música de ocasião.

De todas as sinfonias de Beethoven, a Nona é a mais original, por ele inserir vozes no quarto movimento. Isso causou certo estrago na imagem da obra. Ainda hoje causa. O regente Sir John Eliot Gardner, certa feita, tentou provar que a inserção do poema de Schiller ao final da obra foi apenas um acessório, um enfeite sem muito significado. Não conseguiu. A música não funciona sem o texto, à semelhança da ópera! Os críticos mais puristas também torceram o nariz. Ademais, não foi apenas a inserção do poema que abalou as estruturas da sinfonia. Foi algo mais interior: a forma do movimento não lembra a forma sonata, mas sim uma cantata, uma música de forma livre. Houve também reprovação da escrita vocal de Beethoven: muito áspera, muito seca, pouco melódica. Atribuíram à surdez do compositor. Também o tema principal, o da Alegria, foi considerado muito simples. Hoje já não há tantas controvérsias em torno da composição.

É com esta obra que Beethoven expande sua sombra sobre século XIX. Ele foi idolatrado pelos românticos, e sua Nona foi tomada como relíquia. Um concerto com essa obra não era apenas um concerto, era quase um ato de comunhão. Assim como também era um ato político. Wagner usou essa sinfonia para chamar o povo às ruas nas Barricadas de Dresden. Hitler exigia sua execução no dia de seu aniversário. Stálin afirmou que essa música era a música ideal para o povo soviético. Bernstein a regeu em comemoração ao fim do comunismo. A União Europeia a tem como seu hino oficial. Todos os espectros políticos desejaram, em algum momento, se apropriar dela. Parece uma sina que a grande música germânica tem, esse caráter político muito forte, inclusive de ser amada por ditadores. Talvez pelo caráter fortemente militar de certos momentos, mas também, pelo desejo de unificação, que na Alemanha ocorreu tardiamente, em fins do século XIX.

Seu nome completo é Sinfonia n.º 9, em Ré Menor, op. 125, “Coral”. O nome “Coral” não é autêntico, foi dado por terceiros devido ao quarto movimento, mas se manteve. Ela estreou em 7 de maio de 1824, depois de sete anos de composição, no Kärntnertortheater. Uma execução dura em média 60 minutos, chegando aos 79 minutos na gravação de 1981, no Musikverein de Viena, de Karl Böhm, com a Orquestra Filarmônica de Viena, o Coro da Ópera da Cidade de Viena e os solistas Jessie Norman, Brigitte Fassbaender, Plácido Domingo e Walter Berry (Deutsche Gramophon, DG, n.º de catálogo: E4455032). Mas uma execução tão lenta assim é rara, Böhm torna Beethoven tão cerebral quanto Mahler. Há uma grande vantagem: no primeiro movimento, as várias camadas de música, sobretudo na fuga, são percebidas como luzes que irrompem uma após outra. O terceiro movimento, adequadamente lento, expansivo e denso. É uma gravação de arrepiar.

Os movimentos são: “Allegro ma non troppo, un poco maestoso” – “Rápido, mas nem tanto, um pouco majestoso”; “Molto vivace – Presto” – “Muito vívido – Muito rápido”; “Adagio molto e cantabile – Andante moderato” – “Muito lento e cantante – Andando moderado”; “Presto – Allegro assai” – “Muito rápido – Muitíssimo rápido”. Esse último movimento, o quarto, que se inicia com “Presto” e segue “Allegro assai”, tem várias outras subdivisões de andamento e é tão extenso que pode ser entendido como uma sinfonia dentro da sinfonia. De fato, o quarto movimento dura cerca de 24 minutos, o tempo de uma sinfonia clássica. Abaixo, um link para uma gravação da obra. O regente é Paavo Järvi, a orquestra é a Orquestra de Câmara Alemã de Bremen. Essa gravação faz parte do Projeto Beethoven, idealizado em 2010 na Sala Beethoven, em Bonn. Com uma orquestra reduzida e instrumentos de época, a sonoridade é mais próxima daquela ouvida na estreia da obra.

https://www.youtube.com/watch?v=xbZjAxqHYSg&t=572s&ab_channel=deepnosepicker