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Ainda sobre Lovecraft

Alexsandro Alves, escritor e professor, detalha algumas características de estilo do autor H. P. Lovecraft, autor muito amado e mesmo reverenciado por quem o admira, mas que é senhor de uma literatura ruim.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

No artigo anterior, comentei um pouco sobre minha leitura de Lovecraft.

Na sequência, procurei ler outros contos do autor e a minha opinião não mudou. Pude perceber, no entanto, uma certa regularidade de meios de Lovecraft, o que torna a literatura do mesmo bastante enfadonha.

Lovecraft é repetitivo.

Não apenas porque em seu texto insiste em adjetivos que têm a intenção de provocar medo, mas porque suas páginas são cheias de qualquer tipo de adjetivo – ele escreve mal.

Há uma fórmula nos textos dele – quase um estilo.

Mas se o estilo de um autor, ou artista em geral, é conseguido com muito esforço e a cada obra nova, Lovecraft para em si mesmo. Os contos dele são todos terrivelmente idênticos.

Em que seus contos são idênticos?

Iniciam com o personagem principal, sempre à volta com uma perturbação mental, um delírio. O personagem quer fazer-nos duvidar de que seu relato é crível – mas é, por outro lado, assim que o autor tenta justamente através de negações, confirmar que o que o seu personagem fala é a verdade. É cômico e engenhoso ao mesmo tempo, mas não há desenvolvimento estilístico.

Veja os inícios de alguns de seus contos: de Dagon, seu primeiro conto publicado:

Escrevo essa história sob uma pressão mental considerável, uma vez que hoje à noite me apago. Sem dinheiro, com o estoque da droga que torna a vida suportável próximo do fim, não aguento mais essa tortura; estou prestes a me atirar pela janela da água-furtada na desolação da rua lá embaixo. Não entenda minha dependência da morfina como uma fraqueza ou uma perversão. Quando o senhor ler essas páginas rabiscadas às pressas poderá entender, ainda que não por completo, a minha ânsia pelo esquecimento ou pela morte.

Ou então, Ar frio:

O senhor pede que eu explique por que temo as lufadas de ar frio; por que estremeço mais do que outros ao entrar em um recinto frio e pareço sentir náuseas e repulsa quando o frio noturno sopra em meio ao calor dos dias amenos do outono. Há quem diga que respondo ao frio como outros reagem a um odor desagradável, e a comparação parece-me apropriada. O que me proponho a fazer é relatar a circunstância mais horrenda que jamais presenciei e deixar para o senhor a decisão de aceitá-la ou não como justificativa para a minha excentricidade.

Outra joia, mas não joia rara, O modelo de Pickman:

Você não precisa achar que sou louco, Eliot — muitas pessoas têm superstições ainda mais estranhas. Por que você não ri do avô de Oliver, que se recusa a andar de carro? Se eu não gosto daquele maldito metrô, o problema é meu; e além disso chegamos mais depressa de táxi. Com o metrô, precisaríamos ter subido o morro desde a ParkStreet.

Outra característica de Lovecraft é se esforçar para parecer erudito. Nessa questão, sempre apela para arqueólogos do desconhecido, aventureiros, diga-se, para cientistas, todos loucos de preferência. A ciência, em Lovecraft, praticamente chafurda com o mais histérico misticismo:

A coisa mais misericordiosa do mundo é, segundo penso, a incapacidade da mente humana em correlacionar tudo o que sabe. Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio a mares negros de infinitude, e não fomos feitos para ir longe. As ciências, cada uma empenhando-se em seus próprios desígnios, até agora nos prejudicaram pouco; mas um dia a compreensão ampla de todo esse conhecimento dissociado revelará terríveis panoramas da realidade e do pavoroso lugar que nela ocupamos, de modo que ou enlouqueceremos com a revelação ou então fugiremos dessa luz fatal em direção à paz e ao sossego de uma nova idade das trevas.

É o início de O chamado de Cthullu!

Os cientistas que interessam para Lovecraft são sempre os que não fazem ciência, são, no fundo, apenas curiosos ricos e desocupados que se aventuram em busca de magia, e se desesperam quando a comunidade científica ri de suas descobertas em ilhas e mares distantes.

Há, como já mencionei, a profusão de adjetivos, como em O que a lua traz consigo:

Odeio a lua — tenho-lhe horror — pois às vezes, quando ilumina cenas familiares e queridas, transforma-as em coisas estranhas e odiosas. Foi durante o verão espectral que a lua brilhou no velho jardim por onde eu errava; o verão espectral de flores narcóticas e úmidos mares de folhagens que evocam sonhos extravagantes e multicoloridos. E enquanto eu caminhava pelo raso córrego cristalino percebi extraordinárias ondulações rematadas por uma luz amarela, como se aquelas águas plácidas fossem arrastadas por correntezas irresistíveis em direção a estranhos oceanos para além deste mundo. Silentes e suaves, frescas e fúnebres, as águas amaldiçoadas pela lua corriam a um destino ignorado; enquanto, dos caramanchões à margem, flores brancas de lótus desprendiam-se uma a uma no vento opiáceo da noite e caíam desesperadas na correnteza, rodopiando em um torvelinho horrível por sob o arco da ponte entalhada e olhando para trás com a resignação sinistra de serenos rostos mortos.

É de fato literatura de péssimo gosto.

Mas há ao menos um conto do mesmo que me conquistou – embora as características descritas acima também estejam, de uma forma ou de outra, presentes nele. Das dezenas de contos que li do estadunidense de Providence, apenas um se mostrou com alguma centelha de criatividade, Os gatos de Ulthar.

Apenas esse e, no mais, fujam de A cor que veio do espaço. É Lovecraft em seu pior.