• search
  • Entrar — Criar Conta

Aluízio Alves e a Cultura

A Cultura, quando bem manipulada, é poderoso instrumento de conquistas e dominação por políticos espertos. Na Renascença italiana, o exemplo mais notório seria a Família  Médici que dominou Florença através do culto das artes. No RN, os pernambucanos Maranhão, oriundos Nazaré da Mata, descobriram esse filão, seguidos, algumas gerações depois, por Aluízio Alves que foi um Mecenas para Newton Navarro, talentoso e versátil na escrita e nas artes visuais.

*Franklin Jorge

[email protected]

O jornalista Alberto Maranhão foi o primeiro dos nossos governadores republicanos a considerar a cultura um elemento indispensável à consecução de seu projeto de entrar para a História em boa forma, como um incentivador das artes, através da criação de um personagem que se comprazia na valorização de uma plêiade colaboradores capazes de produzir e justificar plenamente o ambicionado galardão, aceito por toda a posteridade sem questionamento, de “Príncipe Mecenas” – rico cavaleiro, amigo e ministro de Augusto, que em Roma financiou e protegeu os artistas —, embora, a rigor, seu governo – sobretudo o seu segundo governo, marcado por violência arbitrariedade — tenha feito menos nesse âmbito do que deu a entender a todos que fez.

Antecipando-se aos marqueteiros da nossa época, Maranhão já sabia que a versão é às vezes mais convincente do que o fato e que os pósteros acatam o que está escrito. Estava certo o espertíssimo pernambucano de Nazaré, que, como Aluízio Alves, era chamado por seus adversários de “Cigano”. O cigano de Nazaré da Mata, sua terra de origem, em Pernambuco, governou o Rio Grande do Norte por suas vezes. A Lei de incentivo à cultura que leva o seu nome, sancionada em 1900, privilegiou apenas seus áulicos e clientes, mais especialmente aos seus irmãos –cujo talento foi um boato que andou por aí –, que passaram a viver às expensas dos cofres públicos, sem produzir nada de relevante para o enriquecimento do nosso patrimônio cultural.

Mais de cinquenta anos depois do último governo de Maranhão, a partir de 1961, quando tomou posse no Governo do Estado, Aluízio Alves, “o cigano que veio lá do Cabugi”, retomou essa ideia, agora focada num espectro mais amplo — inserir o Rio Grande do Norte na modernidade – o que incluía a produção cultural, estagnada por anos de marasmo e conformismo provincianos. E, naturalmente, a realização de obras infraestruturais, como a eletrificação do estado através da energia de Paulo Afonso, um feito que assinalou efetivamente a entrada do Rio Grande do Norte no mundo moderno, a criação de faculdades de jornalismo, ciências sociais e sociologia, cursos profissionalizantes, uma coleção de livros voltada para a revelação de novos talentos, e, coroando tudo isso, a criação da Fundação José Augusto, responsável pela implementação duma política cultural capaz de dar a Natal o status de uma cidade cosmopolita.

Políticos hábeis e conhecedores da história, Maranhão e Aluízio entendiam que nenhum governo alcança a imortalidade a não ser através do papel que artistas e escritores de talento lhes reservam em suas obras. Assim, até hoje, os Césares romanos chegaram até o nosso tempo, fazendo-se conhecidos, odiados ou amados, porque um historiador romano lhes traçou o perfil em palavras que ainda hoje lemos com admiração ou asco. Mais recentemente, Maquiavel concedeu a imortalidade ao príncipe florentino que ele quis obsequiar, pintando-o como paradigma de déspota esclarecido, numa obra que continua despertando o interesse de todos aqueles que desejam o poder ou buscam orientação para governar. Os exemplos não são muitos porque são poucos os déspotas esclarecidos ou capazes de transcender a circunstância.

Durante os quatro anos Aluízio transformou-se numa espécie de imã, atraindo para o círculo do seu governo os autênticos talentos da época, ao entender que a arte é um meio através do qual a política dialoga com o povo. Possuído por uma ânsia de cosmopolitismo, inteiramente voltada para a produção cultural de qualidade, reagiu à plebeízação da cidade, processo levado às últimas consequências pela ação de um prefeito populista e demagógico, uma espécie de petista avant la lettre copiado à exaustão por seus sucessores, em má hora chamado Djalma Maranhão, misto de caudilho e boxeur que instituiu entre nós a cultura de pé no chão, a reles cultura convencional e irrelevante, paradigmática de governos festeiros incapazes de discernir o popular do popularesco.

Escritor de mérito e jornalista, desde muito novo integrado à elite política e cultural do país, numa época em que ainda era possível relacionar política e cultural, numa interação polivalente, Aluizio Alves acrescentou vitalidade à cultura, fazendo dessa ação de que dá testemunho a obra de artistas que se tornariam mestres e faróis das gerações subsequentes, o seu ingresso na imortalidade. Hoje, não mais podemos dissociar seu nome do nome de criadores como Newton Navarro – o maior de todos –, Myriam Coeli, Zila Mamede, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Luís Carlos Guimarães, que se tornariam os expoentes de variados credos estéticos.

Cônscio de que é a cultura que engrandece e distingue um governo, mostrou-nos na prática que preconceitos estéticos podem causar prejuízos à política. Por isso, empenhou-se em proporcionar aos artistas locais acesso e convívio a outras realidades culturais e a outros criadores, sem delimitação de fronteiras. Sua política de intercâmbio cultural alcançou considerável sucesso. Foi Aluízio que trouxe de volta a Natal o professor Oswaldo de Souza, notável compositor presentemente condenado ao silêncio e à obscuridade, ex-colega do polígrafo Mário de Andrade, delegando-lhe a tarefa de empreender o inventário – o primeiro realizado até então – dos bens culturais do Rio Grande do Norte. Seus inimigos e adversários poderão acusá-lo de inconformismo; nunca poderão acusá-lo de não ter sabido usar o seu talento em favor de quem tinha talento, exercendo, por esse meio, uma abrangente e duradoura influência sobre a cultura do Rio Grande do Norte.

 

Acima, em destaque, da esq. para a dir., os governadores Alberto Maranhão, dito “o Mecenas”,  e Aluzio Alves, que patrocinou o levantamento do patrimônio histórico, reconhecidos incentivadores da Cultura no RN.