*Franklin Jorge
O jornalista Alberto Maranhão foi o primeiro dos nossos governadores republicanos a considerar a cultura um elemento indispensável à consecução de seu projeto de entrar para a História em boa forma, como um incentivador das artes, através da criação de um personagem que se comprazia na valorização de uma plêiade colaboradores capazes de produzir e justificar plenamente o ambicionado galardão, aceito por toda a posteridade sem questionamento, de “Príncipe Mecenas” – rico cavaleiro, amigo e ministro de Augusto, que em Roma financiou e protegeu os artistas —, embora, a rigor, seu governo – sobretudo o seu segundo governo, marcado por violência arbitrariedade — tenha feito menos nesse âmbito do que deu a entender a todos que fez.
Antecipando-se aos marqueteiros da nossa época, Maranhão já sabia que a versão é às vezes mais convincente do que o fato e que os pósteros acatam o que está escrito. Estava certo o espertíssimo pernambucano de Nazaré, que, como Aluízio Alves, era chamado por seus adversários de “Cigano”. O cigano de Nazaré da Mata, sua terra de origem, em Pernambuco, governou o Rio Grande do Norte por suas vezes. A Lei de incentivo à cultura que leva o seu nome, sancionada em 1900, privilegiou apenas seus áulicos e clientes, mais especialmente aos seus irmãos –cujo talento foi um boato que andou por aí –, que passaram a viver às expensas dos cofres públicos, sem produzir nada de relevante para o enriquecimento do nosso patrimônio cultural.
Mais de cinquenta anos depois do último governo de Maranhão, a partir de 1961, quando tomou posse no Governo do Estado, Aluízio Alves, “o cigano que veio lá do Cabugi”, retomou essa ideia, agora focada num espectro mais amplo — inserir o Rio Grande do Norte na modernidade – o que incluía a produção cultural, estagnada por anos de marasmo e conformismo provincianos. E, naturalmente, a realização de obras infraestruturais, como a eletrificação do estado através da energia de Paulo Afonso, um feito que assinalou efetivamente a entrada do Rio Grande do Norte no mundo moderno, a criação de faculdades de jornalismo, ciências sociais e sociologia, cursos profissionalizantes, uma coleção de livros voltada para a revelação de novos talentos, e, coroando tudo isso, a criação da Fundação José Augusto, responsável pela implementação duma política cultural capaz de dar a Natal o status de uma cidade cosmopolita.
Políticos hábeis e conhecedores da história, Maranhão e Aluízio entendiam que nenhum governo alcança a imortalidade a não ser através do papel que artistas e escritores de talento lhes reservam em suas obras. Assim, até hoje, os Césares romanos chegaram até o nosso tempo, fazendo-se conhecidos, odiados ou amados, porque um historiador romano lhes traçou o perfil em palavras que ainda hoje lemos com admiração ou asco. Mais recentemente, Maquiavel concedeu a imortalidade ao príncipe florentino que ele quis obsequiar, pintando-o como paradigma de déspota esclarecido, numa obra que continua despertando o interesse de todos aqueles que desejam o poder ou buscam orientação para governar. Os exemplos não são muitos porque são poucos os déspotas esclarecidos ou capazes de transcender a circunstância.
Durante os quatro anos Aluízio transformou-se numa espécie de imã, atraindo para o círculo do seu governo os autênticos talentos da época, ao entender que a arte é um meio através do qual a política dialoga com o povo. Possuído por uma ânsia de cosmopolitismo, inteiramente voltada para a produção cultural de qualidade, reagiu à plebeízação da cidade, processo levado às últimas consequências pela ação de um prefeito populista e demagógico, uma espécie de petista avant la lettre copiado à exaustão por seus sucessores, em má hora chamado Djalma Maranhão, misto de caudilho e boxeur que instituiu entre nós a cultura de pé no chão, a reles cultura convencional e irrelevante, paradigmática de governos festeiros incapazes de discernir o popular do popularesco.
Escritor de mérito e jornalista, desde muito novo integrado à elite política e cultural do país, numa época em que ainda era possível relacionar política e cultural, numa interação polivalente, Aluizio Alves acrescentou vitalidade à cultura, fazendo dessa ação de que dá testemunho a obra de artistas que se tornariam mestres e faróis das gerações subsequentes, o seu ingresso na imortalidade. Hoje, não mais podemos dissociar seu nome do nome de criadores como Newton Navarro – o maior de todos –, Myriam Coeli, Zila Mamede, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Luís Carlos Guimarães, que se tornariam os expoentes de variados credos estéticos.
Cônscio de que é a cultura que engrandece e distingue um governo, mostrou-nos na prática que preconceitos estéticos podem causar prejuízos à política. Por isso, empenhou-se em proporcionar aos artistas locais acesso e convívio a outras realidades culturais e a outros criadores, sem delimitação de fronteiras. Sua política de intercâmbio cultural alcançou considerável sucesso. Foi Aluízio que trouxe de volta a Natal o professor Oswaldo de Souza, notável compositor presentemente condenado ao silêncio e à obscuridade, ex-colega do polígrafo Mário de Andrade, delegando-lhe a tarefa de empreender o inventário – o primeiro realizado até então – dos bens culturais do Rio Grande do Norte. Seus inimigos e adversários poderão acusá-lo de inconformismo; nunca poderão acusá-lo de não ter sabido usar o seu talento em favor de quem tinha talento, exercendo, por esse meio, uma abrangente e duradoura influência sobre a cultura do Rio Grande do Norte.
Acima, em destaque, da esq. para a dir., os governadores Alberto Maranhão, dito “o Mecenas”, e Aluzio Alves, que patrocinou o levantamento do patrimônio histórico, reconhecidos incentivadores da Cultura no RN.