*Alexsandro Alves
O que? De repente, ele saca um celular e com um movimento circular, filma todo o ambiente. Para que isso?
Volta a sentar na mesa a minha frente, de costas para mim.
Apenas eu e ele no ambiente. E começa um relatório triste. Você viu onde estou, eu tô na padaria, sentado, esperando um lanche.
Me levanto e me sento em uma mesa de frente para ele, olhando para ele.
Um homem lindo assim acorrentado, devendo explicações, sem dever, de fato. Ele concorda que deve, se permite dever, eis tudo.
E eis seu sofrimento. O coitado, imprensado por suas escolhas, acuado e solitário, relata seu dia para alguém no celular. Quem diria que uma conversinha num dia, uns olhares e uns sorrisos noutro, sempre terminam assim, com frases ditas suando e apressadas.
Ele se explica, eu o observo.
Porque era contramão demais.
Que ridículo!
Ele passa a mão na testa várias vezes. Os homens fortes são fracos contra si mesmos.
Cadê a sua coragem, a tão propagada coragem do nosso gênero!
Sabemos que nunca ninguém amará igual ao outro na relação. Um sempre amará menos, este é o que cobra mais do outro e cobra como se dançasse, suave.
(Don’t go wasting your emotion, lay all your love on me)
Apenas isso, deposite todo o seu amor em mim!
Eu posso ouvir a sua volta a suavidade de um feitiço ligeiro ao qual com doçura sua vontade cede, a cada necessidade de se explicar, a ilusão se solidifica, ratynho de laboratórxo.
E a cientixta, não percebe? Ou será mesmo o que deseja?
(Mas eu não sei se é cientixta ou cientysta). Presumo que sejam diferentes, porém hoje, aquela relação, cuja potência é ser igualmente livre como os cabelos esvoaçantes de jovens gregos também deseja a falsa certeza de uma assinatura com testemunhas.
Prefiro pensar que, vendo tal teatro, se trata de uma gaiola, uma gaiola tradicional e não de uma gayola. É lamentável dois homens se cobrando para serem um do outro escravos.
Ele desliga o celular. Esquece do beijo.
Eu vi! Seu semblante mudou!
Por que ainda insistem? Ela é suavemente opressora, ele é exaustivamente covarde.
Os dois sofrem.
E o amor sempre fará sofrer, se precisar de nomes e de relatórios.
O amor é cego porque não pode haver compromisso.