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Amigos de infância

Colaboradora de Navegos foge um pouco ao seu tema predileto, a política, e discorre sobre a infância e a amizade, que Santo Ambrósio viu como “o socorro da vida”.

*Nadja Lira

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A presença dos amigos é algo de extrema importância no desenvolvimento de uma criança, fora do seio familiar. É através dos amigos, especialmente na fase escolar, que as crianças começam a esquecer seu egoísmo peculiar, começam a perceber que elas não são as únicas a merecer atenção dos adultos e também passam a perceber a importância de dividir, compartilhar e repartir as coisas que consideram exclusivamente delas.

É justamente através dos amiguinhos da escola, que uma criança dá seus primeiros passos rumo aos novos contatos sociais, desenvolvendo habilidades que irão acompanhá-las pelo resto de suas vidas. O relacionamento com os amigos permite que a criança desenvolva sua capacidade de conviver, compartilhar, respeitar e amar àqueles que, embora não pertencendo ao seu meio familiar, vão conviver de forma harmônica com ela, por um longo período de suas vidas.

Lembro-me de que na minha época de criança, por ser muito tímida, eu tinha poucos amigos. Mas, é natural que nesse período, toda criança tenha o seu melhor amigo e, para não fugir à regra, eu também tinha a minha melhor amiga que se chamava Elza Jerônimo.

Elza era uma menina esperta, falante, e por ser completamente desinibida, a minha timidez passava despercebida, porque devido à facilidade de liderança que lhe era natural, eu acabava participando do grupo que ela formava. Como é natural nessa época de nossas vidas, nós dividíamos tudo. Especialmente o tempo das brincadeiras e o lanche.

Não morávamos perto uma da outra, mas isto não se constituía em um problema, porque a gente sempre dava um jeito de estudarmos juntas, na hora de realizar as tarefas propostas pela professora. Ela era muito boa em Matemática, disciplina na qual sempre fui péssima, e ela me ajudava muito com a matéria. Sempre fui mais afeita ao mundo das letras.

Elza era uma excelente amiga e graças ao nosso entrosamento, nossas famílias acabaram por se tornar amigas também, E assim, era natural para nossas mães receber uma ou outra em suas casas para um almoço de domingo ou para comemorar uma data especial.

Mas, como nada é perfeito, a minha amiguinha tinha um grande defeito aos meus olhos: Ela era encrencreira demais. Ela o tipo de pessoa que não leva desaforo para casa e por qualquer coisa arranjava uma confusão. Eu, medrosa demais, me esquivava e evitava o quanto podia me envolver em confusões, mas ela, sem qualquer temor, enfrentava as situações por mais difíceis que fossem.

Certo dia tivemos um desentendimento, durante uma brincadeira na hora do recreio. Nós estudávamos no Grupo Escolar Capitão José da Penha, onde era normal pular corda no intervalo entre as aulas. Neste dia, eu levei a corda, e um grupo de meninas fazia fila para entrar na brincadeira.

Em dado momento, não sei por qual razão, Elza simplesmente se aborreceu e quis tomar a minha corda de modo que uma confusão se formou entre nós. Eu puxava a corda de um lado e ela puxava do outro. Foi então que a ouvi dizer: “Vou deixa-la puxar a corda e então solto minha ponta. Quero ver ela virar a perna com a queda que vai levar”. Ela então, puxou a corda com força e eu soltei a ponta que segurava, para fazê-la provar seu próprio veneno. A queda que ela levou foi bonita, mas ela ficou uma fera comigo e nossa amizade entrou em choque.

Ficamos por vários dias sem comunicação, o que deixou nossas mães muito preocupadas. Mas nenhuma das duas queria dar o primeiro passo para desfazer o mal-entendido. A gente devia ter uns 10 anos de idade nesta época. Então, certo dia, engolindo o meu orgulho, me aproximei dela para falarmos sobre a situação. Ela, porém, respondeu de maneira surpreendente: “Se você tiver vergonha, nunca mais fale comigo”. Eu fiquei profundamente magoada e envergonhada, porque estávamos em um grupo, e disse simplesmente: “Está certo”. Saí dali e nunca mais lhe dirigi a palavra, provando dessa maneira que eu tenho vergonha, sim.

Os anos se passaram e apesar da intervenção de nossas mães, nós jamais voltamos a trocar uma única palavra. Iniciamos nossos estudos no Fundamental II, no Colégio João XX!!!, onde participávamos do Clube de Jovens, nos encontrávamos com frequência nos corredores da escola, porém, jamais trocamos uma palavra.

Anos mais tarde entramos na Universidade. Ela formou-se em Contabilidade, eu em Jornalismo e nossos caminhos se separam definitivamente. Soube que ela havia casado com um dos rapazes que estudou com a gente, teve duas filhas, mas o tempo se encarregou de desviar nossos caminhos, de forma que hoje já não sei mais nada sobre ela.

Sobre a amizade, o escritor Milan Kundera afirmou em seu livro Identidade: “A amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu”. Eu concordo com a afirmação do escritor. Os amigos, especialmente aqueles com os quais convivemos na infância, são testemunhas da nossa história e tudo o que vivemos com estes amigos, contribui para dar forma à nossa personalidade.

Elza (foto em destaque), talvez não saiba, mas ela foi e sempre será uma pessoa muito especial na minha vida, porque sua presença ajudou no desenvolvimento das minhas qualidades morais. Onde você estiver, amiga, receba meu abraço e meu agradecimento por colaborar com a integridade do meu eu.