*Alexsandro Alves
Ainda há pouco, estava ouvindo a Terceira, de Mahler, quando meu cachorro, Lupi, um SRD de pelagem branca com algumas manchas marrons grandes na cabeça e na cauda e outras menores no corpo, iniciou um festival de latidos. Cada vez mais alto, pela movimentação dele, percebi que ele corria de um lado para o outro – a porta fechada, ele no lado fora, mas as pancadas de suas patas na parede e na porta pareciam chegar a mim acompanhadas de um zumbido de vai e vem, bem rápido, ele estava correndo e estava querendo chamar minha atenção.
Não deve ser nada, pensei, nunca é.
Lupi late até com um caracol que passeia pela calçada, até o caracol atravessar, em sua grande velocidade, para um terreno que seria uma pracinha, mas que está abandonado.
Abri a janela para ver o que era e só vi dona Lili e sua irmã, dona Tetê, minhas duas gatas pretas que permaneciam como duas esfinges, uma em cada lado do muro, próximas ao portão. Sem dúvida estavam perplexas com o alvoraço de Lupi. Elas duas, educadíssimas, com seus olhares profundos e expressões de quem conhece a sua descendência da nobreza egípcia antiga, perfeitas em suas silhuetas mescladas à noite, que só se distinguiam de Nut porque Khonshu contornava, delicadamente, seus dorsos perfeitos.
Fechei a janela e retornei à audição.
E Lupi voltou a fazer barulho.
O que será que o moleque tem?, pensei.
Resolvi, então, abrir a porta e falar com ele.
Ele veio a mim e voltou, correndo, pelo corredor que dá para o pequeno quintal atrás da casa, ia e voltava, e se jogava na parede com as patas e se jogava em mim também. Que diferença das duas deusas negras na entrada da minha pirâmide! Lupi é o caos.
Mas já eu estava próximo de descobrir o motivo do alvoroço.
Entrei no quintal e procurei.
***
Não havia nada. Meus olhos não viram nada. Fui à lavanderia, poderia ser que algo estivesse atrás da máquina de lavar, mas não. Nada havia.
Olhei em volta, várias vezes. Várias. E nada lá. Nada de estranho ao redor.
E quando ia embora, foi que eu percebi.
***
Meu Deus! Não estava diante dos meus olhos, não!
Estava no meu nariz.
Todo o quintal, todo! Estava preenchido por um perfume que eu conhecia desde menino em Recife.
A vizinha estava usando Anaïs Anaïs, o perfume que minha mãe usava e usa ainda.
Quantas vezes eu cheirei o pescoço dela, quando ela, linda, descia as escadas de nossa casa na Rua Presidente Washington Luiz, 160, no Várzea! Inúmeras vezes! Aos saltos em seu corpo, me pendurando em seu pescoço! Que mulher encantadora, que mãe maravilhosa!
A casa inteira ficava com seu cheiro.
E eu me sentei na areia do quintal e Lupi sentou-se ao meu lado.
Como ele sabia?
Talvez o cheiro forte do perfume, espetacularmente marcante, o fez imaginar que havia alguém no quintal.
Para mim, foram as lembranças dos dias mais felizes de minha vida. Recordei tudo.
O café da manhã, com requeijão Regina e café servido na xícara Duralex âmbar! A manteiga Turvo, o leite Alimba. O pão que o rapaz vinha toda manhã entregar na nossa casa. E depois, ela colocava uma mesa no lado de fora, embaixo de uma mangueira, e íamos, com meus irmãos, fazer as tarefas de casa, mãe havia sido professora quando morava aqui no Rio Grande do Norte, por isso, nos ensinava todas as lições da escola.
Na cozinha, Judite preparava o almoço e vovó, do outro lado do quintal, um grande quintal, fumava seu cachimbo! Nós nunca gostamos, mas ela fuma até hoje.
Quando entrei de volta, a fragrância ainda era notável. A vizinha caprichou, deve haver uma festa silenciosa lá, nesse instante.