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Angústia e triunfo

Dois livros excelentes sobre a vida de grandes compositores: Beethoven e Villa-Lobos.

*Alexsandro Alves

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Eu estou lendo duas biografias de grandes nomes da música clássica: Beethoven e Villa-Lobos. A de Beethoven é escrita por Jan Swafford e a de Villa-Lobos, por Eero Tarasti. São volumes imensos: o de Beethoven contém mais de 900 páginas e o de Villa-Lobos, mais de 700.

A importância de ler materiais como esse é variada: vai desde conhecer sobre a vida e o tempo em que esses mestres viveram, quanto, sobretudo, conhecermos mais detalhes sobre sua personalidade e sua produção.

A biografia de Beethoven, me ocuparei mais dela agora, é sob muitos aspectos, uma novidade para mim e por quê? Porque Swafford trata de detalhes da vida do compositor que em outros autores não são tão abordados, sobretudo naqueles autores que amam romantizar compositores – nos lembramos da breguice de certas biografias de Chopin que detalham a agonia do músico tuberculoso ou aquelas que não entram a fundo na homossexualidade de Tchaikovski.

Swafford tem, isso é facilmente notável, um amor avassalador por Beethoven. Eu já estou entediado pois, quando ele vai analisar qualquer sonata dele, expressões como “nenhum compositor fez semelhante”, “isso é novo”, “nenhum compositor sonhou algo assim”, “novamente Beethoven produz algo nunca antes visto” e frases semelhantes a essas saltam como se fossem água na garganta de um sedento. Nós já sabemos da originalidade de Beethoven, não precisamos ser lembrados disso a cada parágrafo sobre qualquer sonata. Mas é compreensível, a música clássica nos preenche de tal forma, dá-nos uma imagem da existência como nenhuma outra arte, que de fato nosso espírito se sente na vassalagem diante de nossos compositores e obras preferidos.

Mas uma coisa mais interessante nesse livro de Swafford é  que ele dá muita ênfase na origem étnica de Beethoven. Devo dizer aqui que todo e qualquer ouvinte de música clássica sempre soube da pele mais escura do Mestre de Bonn. Em qualquer biografia isso está posto, nunca houve um “apagamento”. Mas em Swafford está bem mais posto. Ele coloca testemunhos de vienenses sobre a aparência escura, o nariz maior e o cabelo embaraçado. Beethoven não era um alemão de pele de pó de arroz, como Haydn ou Mozart, ou loiro dos olhos azuis, como Wagner. Para os vienenses, segundo Swafford, ele era “exótico”.

E há a desconstrução do mito Beethoven. Ao longo dessas páginas, conheceremos um homem agressivo, rude, que chegava a agredir prostitutas, embora delas se servisse, mas no íntimo as considerava seres sem importância; um homem que era capaz de brigar selvagemente com qualquer um, para depois escrever uma carta admitindo, na mesma intensidade, que havia errado. Também seus medos com relação a nunca superar Mozart. E nunca superou mesmo, não por completo: faltou a ópera, gênero onde Mozart criou suas maiores obras-primas.

Beethoven, em alguns momentos, chega mesmo a tentar menosprezar o erotismo mozartiano de, por exemplo, As bodas de Fígaro, insinuando que o erótico nunca deveria ser colocado na música. Por isso que nunca superou Mozart em seu território mais particular e também nunca escreveu uma ópera que competisse de frente com sua própria produção sinfônica. Ópera é erótica porque lida diretamente com o corpo humano, coisa que um sinfonista não precisa se ater para compor uma sinfonia. O operista pensa a música como uma representação a partir do corpo, o sinfonista abstrai essa visão.

E, por fim, há a doença, ou melhor, as doenças de Beethoven, que o autor trata sem anestesia. Além da surdez, seu mal mais famoso, Beethoven também sofria de cólicas e diarreias constantes. Isso era tão notório, que muitas vezes afastava pessoas dele, sobretudo as mulheres. Não se chega a conclusões sobre o que causava essas crises em Beethoven, mas ano após ano elas se acentuariam, sem trégua. O mais interessante eram as prescrições médicas: “banhe-se nas águas do rio a determinada hora, quando as águas estarão em determinada temperatura”, e coisas assim. Engraçado que por vezes funcionava e Beethoven ficava semanas sem sentir nada. Seria algo como “O feiticeiro e sua magia”.

Em breve, algumas considerações sobre a biografia de Villa-Lobos, de Tarasti.