*Lívio Oliveira
Em geral, quando falo sobre a minha especial atração por cemitérios antigos, os que ainda têm mausoléus, jazigos, sepulturas, túmulos com arquitetura e exuberância, há alguns interlocutores que teimam em não me compreender e até estranham o meu gosto e a minha maneira – ou até mania – de pensar acerca daqueles espaços transcendentais e passear por eles.
Acredito que, diferentemente do que afirma a maioria, aqueles “campos-santos” não celebram tão-somente a morte, antes colocam em evidência a criatividade artística e arquitetônica e a própria história humana; na verdade, as vidas daquela parcela de homens e mulheres que experimentaram a existência e que tiveram, ao final, aqueles lugares de guarda e de descanso dos seus corpos.
Nesse contexto, posso hoje afirmar que realizei, num certo mês de outubro, um dos meus desejos mais intensos: conhecer o cemitério Père-Lachaise, em Paris. Havia muito tempo que alimentava aquela intenção. E a realização veio juntamente com a de outra meta: a de conhecer as Catacumbas de Paris.
Posso dizer, sem qualquer trocadilho, que essas experiências me deixaram muito mais vivo. Fizeram de mim alguém mais atento à impermanência humana e também ao que pode ser construído pela humanidade e deixada para os pósteros, as obras que fazem funcionar as comunidades, em que dimensão existirem.
No Père-Lachaise, maior e mais famoso cemitério parisiense, cujo projeto foi concebido pelo arquiteto Alexandre-Théodore Brongniart, em 1803, tendo se dado a inauguração oficial em 1804, tive a oportunidade de visitar, num dia friorento e calmo, os lugares de descanso de Oscar Wilde, Edith Piaf, Gilbert Bécaud, Eugène Delacroix, Marx Ernst, Paul Éluard, Honoré de Balzac, dentre diversos outros grandes nomes que se incorporaram à ciência, à cultura, à arte, enfim, à história da humanidade. Não é demais confirmar que vivi grandes emoções naquele espaço verdadeiramente sagrado, verdadeiramente humano.
Passeava pelas alamedas do “cimetière”, ouvindo os corvos (“les corneilles noires”) grasnando alto, algo que me trazia, não as sensações de uma situação ou clima mórbido ou sombrio, mas algo alegre e vivo, como pequenas homenagens das aves a crocitarem indefinida e continuamente, avisando-nos sobre esse ou aquele, sobre essa ou aquela, os que estiveram na terra despejando seus talentos e obras imortais.
O momento culminante e mais emocionante dessa verdadeira festa em torno da simbólica imortalidade humana, foi quando me deparei com o túmulo do ídolo poético do Rock, Jim Morrison, outrora líder e voz do The Doors. Havia algo de mágico naquele instante. E calei, por alguns minutos, sem capacidade de traduzir o que sentia. Somente fixava o olhar e prestava atenção nos demais presentes, que pareciam compor uma cena dos anos 60/70.
O Père-Lachaise, que contém inúmeros monumentos, inclusive em memória dos mortos em guerras, é um verdadeiro museu artístico-histórico a céu aberto. E tem sido extremamente bem cuidado, apesar de algumas muito poucas, pontuais situações de preocupação. Noutro ponto da cidade, as catacumbas de Paris (foram cinco horas de fila para nelas ingressar) também nos fizeram perceber o quanto necessitamos valorizar a vida que nos foi dada. E o quanto devemos edificar por aqui mesmo, aproveitando a chance, a oportunidade. Produzir mesmo no desespero. Isso é existencial, não é Sartre?
Voltando a Natal, nunca segurei por muito tempo o meu desejo de sempre revisitar o Cemitério do Alecrim, que considero exemplar em muitos aspectos, apesar de eu nutrir extrema preocupação com o valiosíssimo patrimônio cultural e religioso que existe ali.
E fui, sim, nos recentes dias, passear por suas ruelas, deparando-me com inúmeras descobertas e muitas surpresas, além de inúmeras decepções, essas últimas destacadamente pela perda (quem puder que explique o porquê) de inúmeras peças de arte funerária, que foram arrancadas dos seus lugares para fins misteriosos.

