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As gravações de Parsifal, de Knappertsbusch

Uma panorâmica das gravações realizadas pelo maestro Hans Knappertsbusch do drama musical Parsifal, de Richard Wagner, que o maestro regeu em Bayreuth de 1951 a 1964.

*Alexsandro Alves

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Entre 1951 e 1964, o regente Hans Knappertsbusch desenvolveu, com Wieland Wagner, uma das mais interessantes parcerias entre um maestro e um diretor de teatro: das 95 vezes que o maestro esteve em Bayreuth, 55 foram para reger Parsifal. Ele é o condutor mais intimamente ligado a essa obra e seu legado permanece vivo em 13 gravações da mesma.

Wieland, neto de Richard Wagner, havia sido incumbido da tarefa de renovar a Casa dos Festivais após a Segunda Guerra.

Durante a guerra, sua mãe, Winifred Wagner, abraçou fervorosamente o nazismo. Amiga íntima de Hitler, ela conseguiu transformar o teatro no símbolo cultural do III Reich, como já era mesmo da vontade do Führer.

Mas com a derrota alemã, o teatro permaneceu fechado, de 1945 a 1951. Como Winifred nunca abandonaria suas convicções políticas, precisou ser afastada do Festival. Seus filhos, Wieland e Wolfgang, após passarem pelo processo de desnazificação imposto pelos Estados Unidos, reabriram o templo wagneriano.

Esse processo de desnazificação envolveu até mesmo a parte cênica das produções wagnerianas. Todo os símbolos míticos de suas óperas e dramas musicais foram retirados. Tais símbolos, em entendimento da época, seriam protonazistas.

E assim, nasce a Neu (lê-se nói) Bayreuth, Nova Bayreuth. A Neu Bayreuth primava pelo despojamento cênico e pela iluminação como parte mais importante da dramaturgia. Inspirados por Adolphe Appia, os irmãos Wagner desenvolveram uma revolução dramatúrgica.

Uma nova cenografia, intimista, diferente do realismo naturalista do wagnerismo tradicional demandava também uma nova visão auditiva da partitura. E desta forma, em muitas gravações, Kna (como é conhecido) desenvolveu sonoridades que beiravam o impressionismo.

O lirismo do maestro casado com o intimismo das produções de Wieland, provou-se perfeito para uma partitura que sempre exalou perfumes impressionistas, mas que foram desconsiderados durante muito tempo antes de 1951.

Em Parsifal encontramos timbres e combinações de instrumentos que seriam amplamente usados por compositores como Debussy e Ravel. Sempre fora uma partitura maravilhosamente impressionista.

Mas foi Kna, a partir de 1951, o primeiro a encarar de frente essa proposta latente na partitura. As cores de Parsifal são sobretudo místicas e delicadas, elas exalam aquela luz violeta, uma aura purificadora, sacra e sombria, clara e delicada. Uma luz suavemente escura que ilumina por trás, como disse Debussy.

As 13 gravações do maestro, as de: 1951, 1952 e 1954 a 1964, estão todas disponíveis em cd e também no You Tube!

Mas nenhuma delas é perfeita. E por vários motivos.

Pelo elenco, a melhor é a de 1955. Porém, essa gravação tem algo estranho que era bastante usado na época e que eu não apoio: os sinos foram substituídos por equipamentos eletrônicos e não adianta! Perde-se a majestosa dignidade que estes instrumentos transmitem quando estamos nas cenas do templo de Monsalvat.

Muitos preferem as gravações extremas de 1951 e de 1964. Mas vale acompanhar todas e percebermos a busca do maestro pelas sonoridades mais rápidas e fluidas. A cada ano de gravação a obra se torna mais espiritual sob a batuta de Kna.

No caso dessas duas gravações, que são as mais conhecidas e comercializadas, uma comparação entre as duas mostrará a jornada rumo ao depuramento sonoro e à projeção no tempo mais vívida, embora mais acelerada, de uma música que se assemelha a um ritual.

Em 1951, Kna regeu o primeiro ato em 1 hora e 56 minutos; o segundo ato consumiu 1 hora e 10 minutos e o terceiro, 1 hora e 21 minutos, totalizando 4 horas e 27 minutos de música.

Porém, em sua última gravação, o maestro executa a partitura em 4 horas e 9 minutos, quase vinte minutos a menos do que em sua primeira gravação em Bayreuth.

Isso permite considerarmos certas questões que por vezes são bastante polêmicas entre os wagnerianos: a questão da velocidade, dos tempos, da música de Wagner. Porque sobretudo com Parsifal, a tendência é por uma interpretação muito lenta. Mas historicamente isso não se sustenta, porque na estreia da obra, por Hermann Levi, com Wagner supervisionando, a obra foi executada em pouco mais de 4 horas – 4 horas e 4 minutos, mas exatamente.

Devemos admitir que existem vantagens em ambas as opções. Porque os tempos mais rápidos tendem a tornar a partitura mais diluída e brilhante, compassos em que Wagner escreve para flautas, trompetes e harpas, tornam-se mais delicados e claros, mais luminosos, como relâmpagos à noite.

Uma gravação em que o regente tira os pés do acelerador tende a tornar a fruição estética em contemplação mística. A música preenche o tempo em câmera lenta e a delicadeza inerente a essa partitura é evidenciada através da enunciação mais perceptível de seus leitmotive. Pois a escrita wagneriana dos motivos condutores em Parsifal é mais orgânica do que a do Anel, se assemelhando mais à escrita de Tristão e Isolda: os motivos condutores são bastante parecidos e formam grandes frases musicais, o que não ocorre com frequência no Anel, onde os mesmos são mais distinguíveis e mais facilmente separados no decorrer da ação musical.

E cada uma dessas características Kna desenvolve ao longo de sua experiência em Bayreuth com Parsifal. É um verdadeiro tratado de compromisso e de amor a uma causa. São os anos de aprendizado de Hans Knappertsbusch.

Wieland Wagner

 

Kna

 

Capa de uma edição de Parsifal, regida por Kna, Bayreuth, 1964. Edição da Orfeo International Music, 2008

 

Capa de uma edição de Parsifal, regida por Kna, em Bayreuth, 1958. Edição da Golden Melodram, 2002 (?)