• search
  • Entrar — Criar Conta

As mulheres proustianas: a mãe

O quinto artigo sobre as mulheres proustianas é sobre a mãe do narrador, conforme suas memórias em “No caminho de Swann”. Finalizando esse primeiro momento com estes personagens. Anteriormente: a duquesa de Guermantes, madame Verdurin e Odette de Crécy.

*Alexsandro Alves

[email protected]

O artigo anterior se encontra aqui.

No último artigo sobre as personagens femininas de Proust, a mãe do narrador.

Há outras personagens interessantíssimas na obra: a empregada Françoise, tia Leonie, Albertina e suas amigas de Balbec, a marquesa de Villeparisis, a avó do narrador e outras; assim como há os personagens masculinos, como Robert de Saint-Loup, Charles Swann e, sobretudo, o barão de Charlus, na verdade um príncipe da estirpe dos Guermantes que, por humildade, prefere ser chamado apenas de barão. Estes e aquelas ficarão para outros artigos, assim como essas personagens já mencionadas em artigos anteriores poderão ressurgir em artigos futuros, porque a obra é composta por sete volumes, e eu estou no quinto, hoje. Sendo assim, muita coisa nova ainda surgirá dessas personagens já analisadas em artigos anteriores, exigindo novos artigos.

A mãe do narrador é vista com intensa paixão pelo filho. Há sem dúvida um inocente desejo incestuoso por parte do menino. Ao recordar sua infância, no primeiro volume, a figura da mãe ocupa um lugar proeminente.

É um lugar cercado de expectativa, medo, sedução e brincadeiras.

Primeiramente, o desejo do narrador pelo beijo materno. Esse motivo é constante nessa primeira parte. O narrador, ao lembrar sua infância, observa que o apego a sua mãe e seu desejo sempre crescente de experimentar, cada vez mais, o toque dos lábios maternos em seu rosto, sempre lhe provoca intensas expectativas. Primeiro porque seu pai desaprova esse desejo e segundo porque o beijo também é o momento da despedida da mãe, quando esta sai de seu quarto e vai para o quarto do pai, esse outro homem que o menino, inconscientemente, deseja matar, porque deseja a mãe. À cada menção ao beijo há uma gradação de carência e de volúpia tais, que quando lemos que, em uma determinada noite, a mãe permite-se dormir com o filho ao invés de dormir com o marido, pai de seu filho, a narrativa assume uma força tal qual uma ejaculação, uma espada desembainhada que por fim demonstra a vitória de um macho mais jovem sobre um macho mais velho. É lindo esse amor e esse apego pela mãe, como o narrador fala em uma certa altura do capítulo, já no final: a única mulher insubstituível!

Assim como o que eu precisava, para dormir feliz, com aquela paz sem perturbações que amante alguma pôde me proporcionar mais tarde, já que temos dúvidas a respeito delas mesmo no momento em que nelas acreditamos, e que jamais nos confiam seu coração como minha mãe, num beijo, me confiava o seu, por inteiro, sem qualquer restrição (…)

Esse motivo condutor, como mencionei, permeia todo esse capítulo. Inicia com ele, nas muitas páginas entre o primeiro e o último parágrafo do capítulo, ele ressurge, sempre cada vez mais carnal, até que por fim volta a surgir na última página de Combray.

Esse beijo materno tão desejado pelo filho é uma reminiscência de Parsifal. Em Parsifal, a personagem Kundry, desperta a libido no jovem protagonista puro e inocente. O detalhe mais marcante é que Kundry se apresenta para Parsifal como se fosse sua mãe. O incesto é um tema recorrente em Wagner e faz parte da mentalidade décadente fin de siècle, que marcou aquela geração e era uma oposição ao materialismo e a industrialização modernas.

Com exceção do amor maternal, o amor é sempre visto dentro do espectro da crueldade. A crueldade assume várias formas ao longo de Combray: quando o senhor Vinteuil morre e sua filha, desdenhosamente, mantém relações sexuais com sua parceira mais velha ante o retrato do pai, que desaprovava o lesbianismo da filha – e que era motivo de conversas baixas por toda a cidade. Ou quando é mencionada atenção com a qual Françoise corta os pescoços das galinhas e vê-las sangrar até a morte

Quando os lábios maternos roçam os do filho, sentimos aquele aconchego de um devaneio materializado, uma ociosidade semelhante àquela do poema baudelairiano: Divaga em meio à noite a lua preguiçosa; / Como uma bela, entre coxins e devaneios, / Que afaga com a mão discreta e vaporosa, / Antes de adormecer, o contorno dos seios.

A mãe é um símbolo de pureza ao mesmo tempo que representa a satisfação erótica do filho.

Isso se dá porque a mãe, em qualquer menino, é a primeira mulher cobiçada. Em qual outra mulher o homem permanece por completo? É o sangue dela que o sustém.

Então, a essência da mulher, enquanto mãe, envolve a só tempo o sagrado, a vida, o erótico e a pulsão sexual.

Claro que as atuais convenções sociais não permitem, mais do que não permitir, aliás, não visualizam, o amor maternal como uma sublimação do puro erotismo entre homem e mulher, o primeiro e inocente jogo de sedução entre os sexos.

Para a sensibilidade contemporânea, inocência é o oposto do erótico. E com isso, retiram a profundidade carnal do amor materno, inserindo nele apenas uma contemplação quase espiritual. Mas todos nós estivemos dentro do corpo de uma mulher, foi nosso primeiro reino. Não é espiritual; é carnal, sensual, material. Nos alimentamos dela.

E quando nascemos, lhe sugamos satisfeitos seus seios, e ela, em troca, jorra de si o leite que precisamos.

Muitas vezes, a esposa é o retorno ao reino.

A mãe do narrador de Em busca do tempo perdido é, ao mesmo tempo, mãe, mulher, sacerdotisa, mistério, Lua e, principalmente, a materialização dos desejos primitivos e originários de seu filho.