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As mulheres proustianas: Odette de Crecy II

O quarto artigo sobre as mulheres proustianas é sobre Odette de Crecy, assim como foi o anterior. Uma personagem de passado incerto, uma coquete que posava nua para artistas e, para ganhar a vida, tem como meta o casamento com um homem muito rico!

*Alexsandro Alves

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A terceira parte dessa série você encontra aqui.

Os filhos repetem os erros de seus pais. A filha repete os erros da mãe, o filho, os do pai. Odette Swann, mais conhecida como Odette de Crécy, de seu primeiro casamento, com um membro da baixa nobreza e sua filha, Gilberta Swann, encarnam essa máxima.

Quando Odette conhece Charles Swann, encontro que é nos mostrado em um grande flashback que forma o todo da segunda parte de No caminho de Swann, está colocada uma situação que reaparecerá várias vezes ao longo dos volumes proustianos, uma espécie de variação sobre o mesmo tema, para usar uma imagem musical: o amor como um pêndulo de Foucault dando voltas entre a felicidade e a angústia, e no meio dessa trajetória circular, as intermitências do coração.

Pelos mais variados motivos, os personagens de Proust buscam o amor como uma forma de realização, mas inconscientemente, como uma forma de aprisionar o outro e a si mesmo.

É o que ocorre com o casal Swann. Odette e Charles, como bem documentando na segunda parte do primeiro romance, vivem um amor que beira à loucura, por parte dele, e que toca o descaramento e o insulto, por parte dela.

Algumas páginas após iniciarmos essa parte, notamos que ela é, temporalmente, um flashback da primeira.

Na primeira parte, Odette já está casada com Swann. Na segunda, ela ainda é Odette de Crécy.

Por que Proust dividiu assim esse primeiro romance? Por que não colocou em ordem cronológica os fatos? Porque, imagino, caso colocasse em ordem cronológica, a impressão seria que o assunto principal do livro pudesse ser o casal Swann. Porque a segunda parte é praticamente sobre esse relacionamento. Quando o autor organiza a ordem de seus capítulos dessa forma, em flashbacks, por mais importantes e belas que sejam estas páginas, sentimos que é uma interrupção da ação principal. Um longo parêntese.

Para prefigurar exatamente essa variação supracitada.

O relacionamento de Odette e Charles prefigura o do Narrador e o de Albertina. Em tudo. Ou seja, esse longo flashback, esse parêntese, antecipa temas da Prisioneira e da Fugitiva, ambos os romances, quinto e sexto do ciclo, sobre Albertina, futura esposa do Narrador.

Odette e Charles, o Narrador e Albertina, Gilberta e Robert. O pêndulo de Foucault girando, girando, girando. E há outros casais que entram nesse movimento.

Gilberta repete a mãe inclusive na sexualidade invertida do marido: Robert prefere homens, da mesma forma que o seu pai Charles e o Narrador também preferem.

Odette, por sua vez, pouco interesse demonstra em ser uma mulher palatável ao gosto social. Ela é consciente que o mundo que a cerca a despreza em vários níveis. A sua vingança é a leveza e o prazer. Bem como o casamento com Swann.

Mas esse matrimônio tem muitos vieses. O despeito que alguns sentem por Odette vai além do ódio de classe e da condenação social ante os usos que Odette confere ao seu corpo. Também está no marido. Paris tolera homens como Charles Swann enquanto ricos, mas há algo nele que, pela mentalidade da época, poderia expulsá-lo da França: ele é judeu.

Judeu numa Paris incendiada pelo caso Dreyfus – o general francês, e judeu, acusado de trair a França na guerra franco-prussiana.

 

NOTA: as fotos das personagens dessa série de artigos são dos filmes Um amor de Swann (1984)  e o Tempo redescoberto (1999).

No terceiro artigo, Odette de Crécy, interpretada por Ornella Mutti no filme Um amor de Swann; para esse artigo, Catherine Deneuve como Odette de Crécy em O tempo redescoberto.