*Alexsandro Alves
O segundo artigo dessa série, sobre a madame Verdurin, se encontra aqui.
Ela não é encarada com o misticismo e o posterior mundanismo da duquesa de Guermantes; também não há nela a falta de classe de uma madame Verdurin.
Nós conhecemos Odette de Crécy aos poucos. Sabemos que é uma espécie de sobrevivente. Conseguimos nos identificar mais com ela do que com qualquer outro personagem do romance-rio de Proust.
Sua origem familiar é desconhecida. Mas sabemos que provém do submundo. Talvez prostituta. Vivia na boemia com artistas; posava nua para eles; mulher independente com um senso de oportunidades por vezes falho.
Casou-se com o conde de Crecy, da baixa nobreza. Mas não sabia que ele já estava arruinado, na sarjeta. Fracassou. Mas ganhou um sobrenome e com ele se apresenta em qualquer lugar.
A conhecemos na primeira parte de No caminho de Swann, Combray. O personagem Narrador, ao mesmo tempo em que admira os Swann, também não aprecia suas visitas a sua casa. Mas isso é para outro artigo, sobre a Mãe dele.
Odette Swann! Pois casa-se com o rico judeu do Jockey Club de Paris, Charles Swann, também outro personagem inesquecível. Odete é uma representante dos extratos mais baixos da sociedade. Não podemos e não conseguimos culpá-la por vencer na vida dessa forma. Combray fica estarrecida quando o casamento do senhor Swann com a desconhecida acontece. Uma mulher que ninguém sabe a origem, pobre, boêmia.
A história do seu amor com Charles Swann se inicia no Salão de madame Verdurin, ela é uma das poucas mulheres que frequentam esse salão. Quando Charles lhe é apresentado, ele não suspeita que ela seja uma mulher fácil. Que quer apenas um casamento com um homem rico.
Charles a compara às figuras femininas da pintura de Botticelli. O que, para mim, não significa necessariamente que ela seja bonita. Embora possua algum encanto. O nascimento de Vênus apresenta uma mulher em uma concha, a deusa do amor romana. Ela possui um pescoço longo e torto, ombros caídos, dedos dos pés tortos, olhos grandes demais. As mulheres de Botticelli são assim. No caso de Odete, a comparação é com a filha de Jetro, personagens bíblicos presentes no afresco As provações de Móises – novamente, podemos encontrar aquelas características desconcertantes.
O amor entre os dois nasce a partir da música. A Sonata de Vinteuil. Vinteuil é um personagem de Proust, fictício. Porém, a sonata existe – Proust descreve tanto essa música, é o leitmotiv da paixão Swann/Odette, que compositores reais a escreveram e podem ser encontradas gravações dela no You Tube!
Mas é um amor terrível. Swann enlouquece pelas ruas de Paris, mortificado na carne pelo ciúme. A segue secretamente pelas ruas. Certa noite, já muito tarde da noite, resolve ir à casa da amada, que fica a alguns quarteirões da sua e, da calçada, flagra a lâmpada do quarto de Odette acesa! Como? Não dorme ela exatamente naquele horário? Será que o amante dela estaria lá nesse momento? Há alguém. E o que estarão fazendo?
Do casamento entre os dois, cheio de traições, nasce Gilberta Swann. Uma namoradinha da infância do Narrador. E, já bastante sabedora de certas questões…
Numa manhã, o Narrador encontra Gilberta entre as flores de um jardim. Ela o olha muito séria. O encarando. Ele é muito tímido. Gilberta faz lhe um sinal que o faz pensar no significado dele.
Com a mão direita, junta em um círculo os dedos polegar e indicador, enquanto o indicador esquerdo entra e sai sucessivas vezes do círculo.
Em outro momento, quando o Narrador vai visitar Gilberta, esta lhe diz que não faça muito barulho, porque a mãe está com mulheres no quarto, só com mulheres, frisa bem.
Odette, à princípio, tem gostos bastante vulgares. Mas o casamento com Swann a faz desenvolver refinamento. Refinamento esse inalcançável para a madame Verdurin. Em Sodoma e Gomorra, quarto romance da série, quando algumas fofoqueiras enumeram motivos para evitar Odette, um me causou bastante surpresa: ela é wagneriana e mulheres recatadas não frequentam Bayreuth! E há o refinamento suave e harmonioso no vestir. De fato, Proust soprou uma vida encantadora nessa sua criação.
Esse é um dos encantos de Proust. De um livro para outro esses personagens adquirem mais vida. Há um acúmulo neles de experiência ora centrífuga ora centrípeta.