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“Atlântico Pernambucano”

Colaborador de Navegos resgata mais uma crônica do autor de Faz escuro mas eu canto, publicada em 1955 na coluna na coluna Contraponto na coluna que mantinha em O Globo.

*Thiago de Mello

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(Paraíba, por gentileza da Panair do Brasil)

– Já era de madrugadinha quando chegamos a João Pessoa, de volta do Rio Grande do Norte, de onde trago grandes recordações e onde deixei bons e novos amigos, todos feitos dessa rica, simples e fecunda substância que compõe a alma do homem do campo. Agora já está começando a anoitecer na capital paraibana, neste começo de junho banhado pelo crescente. Gastei o dia todo revendo as provas do meu novo livro, “A Lenda da Rosa”, remetidas pelo meu editor José Olympio, a quem hoje mesmo devolvi o texto impresso, que deverá aparecer em volume no mais tardar, pelos meus cálculos, dentro de um mês.

Encontrei também aqui um telegrama de Cícero Dias, o nosso grande Cícero, avisando, já do Recife, que seguirá amanhã para a Europa e mandando o seu abraço de despedida. Acontece que o abraço não vai ficar assim no telegrama; pois logo mais estaremos, o meu compadre Odilon e eu, seguindo para o Recife, gastar com Cícero ás suas últimas horas de permanência no Brasil. Vamos aproveitar e ouvir, todos juntos, a conferência que mestre Gilberto Freyre realizará amanhã, ás 11 horas da manhã, no Instituto Joaquim Nabuco, conforme vem fazendo já há mais de um mês (uma conferência por semana) num curso sobre problemas da antropologia ligados e sofridos pelo homem do Nordeste.

Por falar no Recife, é bom informar que há um projeto para dar ao trecho do mar que banha as costas de Pernambuco o nome de Atlântico Pernambucano. O projeto, a meu ver, é sábio, e justissímo. Pois em verdade em nenhum de seus trechos o nosso caro Atlântico é tão belo como neste em que ele convive, esplêndida e amorosamente, com as areias e os arrecifes do litoral pernambucano. De todos os seus verdes, de todos os seus azuis, nenhum há como o dessas águas. O verde do Atlântico Pernambucano (acho conveniente ir registrando logo o nome para ganhar o costume)é um verde – sobretudo ao sol da manhã – que não se encontra em nenhum outro pedaço do Atlântico. Nem do Atlântico nem de outro qualquer oceano. Dizem alguns entendidos em verdes que o das paguas deste mar que banha o Recife é também encontrado nos olhos de certas e extraordinárias mulheres. Mas o assunto é ainda motivo de divergências. Acham alguns, por exemplo, que tal verde atlântico apenas se encontra nos olhos de mulheres nascidas no Nordeste, e particularmente no Recife. Outros, porém, mais generosos, ou porventura menos entendidos em assuntos de verde… e de moças, garantem que mulheres nascidas lá para as bandas do Sul, ou ate as margens de outros oceanos, têm nos olhos um verde irmão do atlântico pernambucano. Dão exemplos, citam casos, dão até o nome de donas desses magnifícos olhos. Não quero dar palpite. O que posso adiantar é que existe o projeto, aliás já encaminhado ás autoridades estrangeiras competentes, que, segundo estou informado, o receberam com simpatia, alguns até com entusiasmo, prometendo deliberar sobre a questão num próximo congresso internacional de Geografia. Se aprovado, a designação – Atlântico Pernambucano – será incluído, por oficial resolução, nos compêndios e nas cartas geográficas do mundo inteiro. Amanhã, no Recife, evidentemente o assunto virá à baila. Se houve, a respeito, alguma opinião estável, mandarei contar.

* “Contraponto” (“O Globo”, sábado, 4/6/1955)

NOTA DA REDAÇÃO: Cícero dos Santos Dias (Escada/PE, 5/3/1907 – Paris, 28/1/2003), pintor, um dos representantes do modernismo brasileiro. Em 1920, aos 13 anos, está no Rio. Realiza a primeira exposição (1927), abandona a Escola de Belas Artes. Expõe em Nova Iorque (1937). Se fixa na capital francesa, torna-se amigo de Picasso, do poeta Paul Éluard e entra em contato com o surrealismo. É prisioneiro dos alemães na ocupação (1940). Mais detalhes da carreira do pintor da Zona da Mata pernambucana o leitor pode encontrar na internet.