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Atualidade e pertinência de Lúcio Cardoso

Fundador de Navegos conecta escritor mineiro com os dias atuais, ao fixar o seu olhar sobre o Brasil e a política, através da qual o homem brasileiro terá chegado às fronteiras da abjeção e do inumano.

*Por Franklin Jorge

Nada mais atual e instrutivo do que a leitura de Lúcio Cardoso [1912-1968] sobre a política brasileira de sua época. Escrevendo em seu Diário, reeditado o ano passado, descreve o Brasil de 1949 como um produto do caos, ao interpretar e sintetizar para seus leitores e futuros leitores o momento político muito semelhante ao que sofremos no presente.

Lúcido e profético, o escritor mineiro detectou na política que se pratica entre nós a tendência mesquinha de se esmigalhar em contradições miúdas e pessoais do autentico jogo político que abusa da demagogia e da fraude ao tecer uma retórica sem pensamento adaptável às circunstancias e interesses de ocasião. Por isso pôde nos dizer com todas as letras que não há, nunca houve partidos no Brasil, mas apenas homens que servem a seus interesses. Questões que continuam atuais e se alastram pelas redes sociais.

De fato, parecia ao autor de Crônica da Casa Assassinada que o Brasil morreria então uma espécie de morte pior que a morte comum, atraiçoado pelos políticos, morrendo no esquecimento e no abandono sob uma pesada lápide de indiferença, devorado pelo apetite da corrupção que seria, na mocidade, um dom, e nos velhos um sinal da existência do diabo. Ora, o Brasil morre não da política que faz, diz o escritor, mas da política que pensa que faz. A verdade é que se aplica à política o que ele disse da fauna “artística” [entre aspas no texto], permanentemente imersa numa cultura decorativa, é que de toda essa gente da política se desprende uma horrível sensação de apodrecimento, de mesquinharia e de vileza nas atitudes mais simples e rotineiras.

O ditador Getúlio Vargas – inspirador e modelo declarado do ex-presidente Lula – encarnaria essa realidade contundente. Ambos, Lula e Vargas, bem-sucedidos exploradores das fraquezas humanas em circunstancias sem remédio, e já agora – no turbulento e sombrio presente -, sem esperança nem lenimento. Escrevendo, por essa época [1949], sobre a campanha do Brigadeiro Eduardo Gomes, reconhece nele um homem honesto e decente, como tantos outros, querendo alçar-se sobre um monturo de coisas inúteis e monstruosas que era então e continua sendo o Brasil, o país das ilusões perdidas, que envergonha e aflige os brasileiros.

Observa Lúcio Cardoso com inequívoca clareza e a pertinência de quem viaja um pouco pelo interior e vê, como viu o autor dessa obra essencial à inteligência, a mesma contundente miséria crônica numa terra onde os homens continuam vagando num estado tão primitivo que lembra ao escritor as zonas mais desamparadas da Índia e da China de um tempo que subsiste nos dias de hoje, num país como o Brasil, eternamente deitado em berço esplendido, sem mover-se, ansiando tão somente pelas grandes catástrofes e pela violência sem conserto nem remédio.

Relendo-o nessa nova edição de seu Diários [Civilização Brasileira, 2012], agora acrescido em seu título de uma letra a mais e de páginas inéditas, organizada e apresentada por Ésio Macedo Ribeiro, percebo que nada mudou desde então e tudo continua como d´antes no Quartel de Abrantes. Assim, despojado de valores éticos e espirituais, terá o homem chegado à fronteira da abjeção e do inumano?

Franklin Jorge – Escritor, jornalista e ativista dos Direitos dos Animai