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Autorretrato de Clauder Arcanjo

Colaborador de Navegos, nascido em Licânia, no estado do Ceará e radicado há anos no RN, Clauder Arcanjo diz trabalhar no que gosta: liderar pessoas. Além disto, escreve e publica, sobretudo em prosa.

*Clauder Arcanjo

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Nasci aos 3 de março de 1963, no quarto grande da nossa casa, à Rua Mateus Mendes, 75, na minha amada província: Santana do Acaraú, região Norte do Ceará. Segundo relato da minha mãe, era uma tarde chuvosa, e eu dei muito trabalho ao estrear no mundo. Compliquei, ao querer sair colocando os pés à frente, a sondar se o terreno que me aguardava era firme, como se não quisesse mergulhar de cabeça na vida. Nesta traquinagem, o parto se espichou, se complicou e quase pus tudo a perder. Graças a Deus e às orações de minha mãe, fui arrastado, pelas mãos amigas e peritas de dois médicos recém-formados, para fora. Colocado no berço, extenuado, custei a tomar o fôlego; só o fiz quando mamãe me levou ao peito e aspergiu-me com o seu choro-carinho. Bênção de mãe opera milagres.

Meus pais são José Bosco Arcanjo, o saudoso Zequinha, e Maria Djanira Alves Arcanjo. Santanenses da gema. Ele, ponderado e cerebral; ela, valente e operosa. Completavam-se; melhor, amavam-se. Exemplo de casal. Patrimônio incomensurável que carregamos nos alforjes da genética, nos sinais do corpo e na sociologia dos gestos.

De meu pai herdamos: a ponderação, o respeito à educação, a fala mansa e decidida, o zelo e respeito ao trabalho ético, a busca eterna pela sabedoria. De minha mãe, a herança da mulher protetora, a confiança na abnegação aliada à crença no destino, a fé no cristianismo solidário, a disponibilidade para ouvir e ajudar, sempre.

E quem eu sou, às vezes me indago. Até hoje nenhuma resposta me agradou. Se me exigem uma, e me espremem ao canto da parede, declaro: “Sou um eterno provinciano, filho de José e Maria. Deus entregou-me aos cuidados de Luzia, minha Biscuí, e Ele nos pediu: “Guardem e eduquem três rebentos: Artur, Mateus e Lucas Francisco”. Engenheiro por profissão, escritor por paixão e ofício. E tenho dito.”A memória gravou, na carne do meu espírito, o patrimônio da minha infância. Este se revela no instante em que escrevo meus contos, minhas novelas, meus romances, até nos versos de meus poemas. Se não me saio bem na criação, saibam todos, a culpa não é do herdado, mas, sim, do mau jeito da pena deste pretenso escritor.Deixei Licânia aos treze anos de idade, e enfiei pelo mundo. Na ânsia de ganhar a vida, abestalhei-me com o novo e quase perdi o ouro da província. Com o tempo, o verbo (encarnado nas minhas obras) recuperou quase tudo, e a província ressurgiu, vívida e autêntica, em: Licânia, Lápis nas veias, Novenário de espinhos, Uma garça no asfalto, Pílulas para o Silêncio (Píldoras para el Silêncio), Cambono, O Fantasma de Licânia, Mulheres Fantásticas, Sinos (Campanas), A província em exílio… Meus livros já publicados; agora, cidadãos do mundo.

Não gosto de discorrer sobre o futuro, o presente me basta e me completa. Trabalho com o que gosto: liderar pessoas. No tocante ao mister de escritor, leio com vagar e, cada vez mais, sou tributário dos clássicos; escrevo com abnegação, sempre ciente da minha condição de eterno aprendiz.

Enfim, tenho certeza de que nasci provinciano, sou provinciano; quando as luzes se apagarem, quero voltar a ser pó sob o céu de Licânia. Licânia: meu lírico mundo, meu telúrico tudo.