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Balzac e a imprensa francesa

Navegos prossegue com a publicação de ensaio de sobre Ilusões Perdidas, obra capital de Honoré de Balzac.

*Bruno Gaudêncio – Escritor e historiador

No início do século XIX Paris já era a capital cultural da Europa, mas antes disso, sua influencia já estava presente no campo político, não só da Europa, mas do mundo inteiro, graças aos famosos ideais de luta da Revolução de 1789: igualdade, liberdade e fraternidade. No que se refere ao jornalismo, à impressa teve um papel preponderante na circulação destas ideias, e nas discussões sobre os novos rumos de um país que ainda vivia em estado de guerra e em um cenário intenso de instabilidade política. Segundo Traquina (2004) as crescentes tiragens dos jornais corresponderam á intensa comercialização da imprensa durante o século XIX. “Embora houvesse pessoas que, por exemplo, fizeram negócio com a venda de jornais durante a revolução francesa no fim do século XVIII, os jornais eram ainda, e, sobretudo armas na luta política” (Traquina, 2004, p.34) , mas sem um caráter tipicamente mercadológico. É no século XIX que o novo jornalismo, chamado por Traquina (2004) de penny press, será encarado como um negócio que pode render muitos lucros, apontando com objetivo fundamental o aumento das tiragens.

Para o estudioso português o surgimento do jornalismo enquanto atividade remunerada está ligada á emergência dum dispositivo tecnológico, a Mass Media, a imprensa. Podemos verificar a expansão vertiginosa da imprensa com dados estatísticos com o aumento do numero de jornais franceses o e aumento das tiragens: – número de jornais circulando – aumento de 49 em 1830, para 73 em 1867, para 220 em 1881, e 322 na véspera da primeira guerra mundial, em 1914. As tiragens dos jornais também sofreram um aumento notável durante o século: 34.000 em 1815, 1.000 em 1867, 2.500.000 em 1880, e 9.500.000 em 1904. Schiller, 1979:46 (Schiller, 1979 In Traquina, 2004)

O mesmo Traquina (2004) enumera os fatores que fizeram o século XIX, segundo ele, a “época de ouro da imprensa”: “1) a evolução do sistema econômico; 2) os avanços tecnológicos; 3) Fatores sociais; 4) a evolução do sistema político no reconhecimento da liberdade no rumo á democracia. Foi o século XIX que a escolarização de massas, com a instituição de escolas públicas, permitiu que um número crescente de pessoas apreenderam a ler, embora de forma rudimentar. “(Traquina, 2004, p.35).

Na época de Balzac a imprensa estava em estado nascente, em que o mercado e a mídia iniciava um processo de influencia no cotidiano das pessoas. O capitalismo financeiro assim começava o seu processo de desenvolvimento e expansão, com o apoio massivo da imprensa, juntamente com os governos dos estados nacionais.

Voltando mais especificamente ao papel da imprensa na época de Balzac, Briggs e Burke (2004), em Uma História Social da Mídia, concentram a atenção sobre as mudanças ocorridas nos meios de comunicação nos últimos séculos e enfatizam os contextos sociais em que se deram, trançando assim uma história da comunicação, desde invenção da prensa gráfica á internet. No ensaio, os autores destacam que o século XIX foi o século em que os jornais mais ajudaram a moldar uma consciência nacional, acontecendo assim um considerável crescimento do número de periódicos na França após a revolução Francesa. Em contraponto a isso, após a mesma revolução “os jornais, por exemplo, não poderiam tratar de assuntos políticos. As restrições oficiais tornaram a cultura oral dos cafés politicamente importante, assim como a cultura dos salões, nos quais senhoras aristocratas organizavam reuniões de intelectuais.”(Briggs e Burke, 2004 p.10)

Estas reuniões são a principal característica literária da época, contudo com a chegada da imprensa os literatos acabaram descobrindo um outro ambiente pra “venderem” suas produções. Nos salões literários os poetas declamavam suas poesias, e os romancistas discutiam suas novas obras com seus leitores. Com a chegada da imprensa estas mesmas ideias se tornam populares nas colunas diários dos jornais, escritores e intelectuais se utilizam do espaço jornalístico para divulgar seus nomes e obras. Na realidade, segundo Lavoinne (s/d) “até à segunda metade do século XVIII o jornal é uma obra periódica que contém extratos dos livros imprimidos ao tempo e muitas das descobertas que todos se fazem nos domínios das artes e das ciências.” (Lavoinee, s/d, p.13). No século XIX isso persiste, pois logo após a restauração e ainda mais depois da revolução de julho e o advento da monarquia burguesa, a classe média comercial, os senhores da nova imprensa, tornaram-se crescentemente importantes, (Pristley, 1968: p.151), com os escritores românticos de maior sucesso, – que tinham plena consciência do que os jornais podiam fazer por eles, – tornaram-se assim hábeis no uso da imprensa, pouco importando o que escrevessem a respeito da solitária grandeza de suas almas. (Idem).

Agora, antes de analisarmos este aspecto que Balzac enfatiza tanto no romance vamos compreender como o mesmo pinta em suas imagens escritas a imprensa.

Como já foi citada acima a crítica balzaquiana volta-se mordaz para o que ele considera a verdadeira chaga, câncer da sociedade, a hipócrita tirania: o jornalismo. Pintando um quadro vergonhoso das práticas dos homens de impressa através das aventuras de Lucién de Rubempré nas redações, nos cafés e nas ruas de Paris, o que se tem é um retrato do comprometimento político-partidário, do envolvimento com o mercado editorial e teatral, bem como a crítica literária. Balzac via no jornal unicamente um instrumento de vinganças pessoais, adulações, amizades e ódios efêmeros. Para Wisnik (1994) (…) para Balzac a impressa parece concentrar o mal do mundo consumado na mercantilização, dissipando o lastro do valor universal e pulverizando todo compromisso ético. (Wisnik, 1994, p.323).

Para Fraser Bond (1962) a imprensa deveria cumprir suas obrigações para a sociedade, informando, interpretando, orientando e entretendo, sempre com independência, imparcialidade, honestidade, responsabilidade e decência. No que se refere à independência assim afirma o estudioso: “para ser independente ela [a imprensa] precisa apoiar-se em bases econômicas próprias, obtendo lucros sem ser subvencionada. Não pode servir o público que apoia, se estiver ligada a alguém que o manobra.” (Fraser Bond, 1962, p.17). Quanto à imparcialidade: “o ideal de imparcialidade é alcançado pelo jornalismo que evita erros, tendenciosidade, preconceitos e sensacionalismo” (Idem p.18). Já em relação à exatidão: “difundir a verdade e objetivar os fatos, eis a finalidade do ideal jornalístico” (Ibidem,p.18). No que se refere à honestidade assim Fraser Bond (Ibidem, 1962) escreveu em seu manual: “nenhuma atividade está sujeita a tal multiplicidade de contatos com o povo, a tantos problemas variados pedindo decisões imediatas, como o jornalismo” e mais a frente “mas os elementos básicos de caráter, nos veículos jornalísticos, permanecem fixos. São eles honestidade nas notícias e nos anúncios”, (Ibidem, p.19). Em relação à responsabilidade ele escreve: “uma imprensa livre é muito mais do que um meio de vida dos seus diretores. Ela desfruta dessa liberdade porque é uma instituição semi-pública. Nessa condição, a imprensa deve uma obrigação á comunidade que ela serve e que a sustenta” (p.19). E por ultimo quanto à decência, ele assim se refere: “o dever de ser decente compreende não apenas a linguagem e as gravuras que o jornalismo usa, pois, a lei isto prevê, mas também á maneira qual obtém a noticia.” (p. Ibidem ,19)

Na verdade Fraser Bond (1962) em seu manual constrói um ideal de um jornalismo comprometido com o social, ou politicamente correto. Sua finalidade na escrita do livro é trazer um panorama da profissão, com suas características principais. O autor idealiza certos aspectos em seu discurso, enfatizando o compromisso com a sociedade civil.

Ao contrario de Balzac o Fraser Bond crê na independência da imprensa, na qual ela precisa apoiar-se em bases econômicas próprias, obtendo lucros sem ser subvencionada. A ideia de não estar ligada a alguém que a manobra é impossível para o escritor francês. Para ele a imprensa sempre será um dispositivo para as elites culturais e políticas da sociedade. Mais do que isso o jornal teria o poder de fazer e desfazer contextos, de fazer e desfazer monarquias. Ou seja, haveria segundo Balzac, na imprensa um poder ilimitado, soberano em relação aos outros poderes.

Este poder ilimitado é descrito no romance, por exemplo, nas amostras hilariantes de “método” em que o crítico cultural afirma o verso e depois o reverso da mesma opinião, com uma desenvoltura sofística e puro maquiavelismo de circunstâncias, que lhe permitem extrair uma suposta e permanente superioridade sobre os objetos culturais de que trata.

O jornalismo aparecerá para Rubempré (personagem central) como a saída salvadora de uma carreira literária empatada pelas dificuldades do ingresso no mercado. A lógica da vida jornalística, no romance, está articulada a um processo difuso de trafico de influencia e de produtos (onde a crítica literária e de espetáculos, o publicismo político e a crônica mundana associam-se a formas incipientes de merchandising, transações com livros e bilhetes de teatro, manobras a claque).

Essa visão amarga deve ter suas explicadas por alguns aspectos pessoais do autor. De acordo com Maurois (s/d), um dos seus mais famosos biógrafos, “Balzac não era apenas um jornalista, era também um maravilhoso jornalista. Quase todo o dia ia ao café Voltaire ou ao Minerva, próximo do Théâtre-français, para aí encontrar os camaradas”. (Maurois, s/d, p.120). Esse inicio de convívio diário não só com jornalistas, mas também com livreiros e literatos está relacionado a sua fase quando o seu pai cortou sua mesada, não podendo Balzac se manter sozinho. De resto era necessário viver, acalmar os receios da família, ganhar dinheiro. (Idem, p. 78). Graças a um amigo Balzac se aproxima de um grupo de jovens escritores que conheciam bem o mundo do teatro e dos livreiros e começa a escrever romances sentimentais para ganhar a vida. Para Maurois (s/d) Balzac “fez a experiência, perigosa para qualquer artista, de desprezar a sua arte (Ibidem, p.79).

Estas Experiências particulares estão muito próximas ao personagem Rubempré, em suas dificuldades financeiras em Paris, com seus sonhos de se tornar escritor e suas necessidades de ganhar dinheiro. “Como tantos jovens, era puxado um lado e para o outro por forças opostas. Tinha relações com um grupo de jornalistas cínicos, que faziam troça de tudo e especialmente dos grandes sentimentos, que vendiam a pena a pequenos jornais – Lê Pilote, Le Corsaire -, sedentos de ecos e de epigramas, e que atabalhoavam á pressa melodramas ou comédias para atrizes de segunda ordem. (Maurois, s/d, p.111). Estes grupos de jornalistas cínicos da vida real são os mesmos que serviram de base para a criação dos personagens do romance: Finot, Miguel Chrestien, etc BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

Referências:

BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

BONDER, F. Fraser. Introdução ao Jornalismo. Rio de Janeiro: AGIR, 1966.

MAUROIS, André. Prometeu ou a Vida de Balzac. Lisboa: Estúdios Cor, s/d.

LAVOINNE, Yves. A Imprensa. Lisboa: veja s/d. (coleção Trimédia).

PRISTLEY, J.B. O Movimento Romântico na França. IN: A Literatura e o Homem Ocidental. Rio de Janeiro: Livraria acadêmica, 1968. P. 150-161.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo, volume 1. Florianópolis: Insular, 2004.

WISNIK, José Miguel. Ilusões Perdidas. IN: NOVAES, Adauto (Org). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. P.321.343.