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Balzac e a vitalidade da cidade grande

Um dos mais representativos escritores de sua geração evoca o genial autor de A comédia humana, enfocando a vitalidade quase biol´´ogica da cidade de Paris em sua obra.

*Ítalo Calvino

 Uma inclinação instintiva sempre me empurrou para os escritores de ontem e de hoje em que os termos natureza e história (ou sociedade se você preferir) aparecem simultaneamente presentes. Mas não se trata apenas de uma preferência de gosto: acredito que o termo natureza está sempre presente em todo grande contador de histórias. Mesmo em Balzac, apesar de estar totalmente imerso na descoberta do novo grande continente que se oferecia aos seus olhos, a cidade, a Paris infinita, as contínuas mudanças de fortuna de uma sociedade em movimento.

Balzac é, de fato, quem descobre a vitalidade natural, quase biológica da cidade grande. Ruas suspeitas, corredores iluminados, entradas decadentes, prisões, casas de aluguel, são descritos com o vigor admirado (que muitas vezes deriva da retórica) com que Bernardin de Saint-Pierre ou Chateaubriand saudou as florestas das Américas. A Paris de Balzac é a verdadeira cidade da selva; em nenhum de seus últimos imitadores que abusaram desse tipo de semelhança há aquela sensação de sucos terrestres, linfa vegetal, cavernas ou profundezas subaquáticas que emerge dos itinerários de Vautrin ou Rubempré: autênticos homens da natureza, esses personagens de Balzac, homens e mulheres dotadas de vigor atlético tanto em virtudes como em vícios, e para as quais cada ação ou cada explosão de sentimentos parece traduzir-se em um teste de saúde ou vigor.

Em Balzac, a força humana parece continuar a resistir a admitir que a luta com a sociedade apresenta dificuldades muito diferentes da luta com a natureza. E, no entanto, já está no ar a consciência de que épicos de vitória podem ser enganosos, que o homem deve ser treinado no conhecimento de que não é menos homem quando suas lutas são desesperadas e que a dignidade humana é. Ele age de acordo com a maneira como a vida é abordado, mesmo que termine em derrota.

Italo Calvino
Natureza e história no romance
Palestra proferida pela primeira vez em San Remo em 24 de março de 1958

Gravura: Frans Masereel
The City, 1925