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Autor da célebre boutade [“se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”] é estudado aqui por escritor paraibano em uma serie de quatro ensaios, agora concluídos.

*Bruno Gaudêncio

Sendo assim, concluímos que Balzac escreve uma espécie de tratado contra a prática do jornalismo. O romance Ilusões Perdidas deve ser compreendido como uma produção que está contido dentro de um contexto histórico específico, na qual a imprensa estava em estado nascente, em que o mercado e a mídia iniciava um processo de influência no cotidiano das pessoas. E principalmente em que o capitalismo financeiro começava o seu processo de desenvolvimento e expansão, com o apoio massivo da imprensa e de seus responsáveis: os jornalistas.

A Posição do sujeito Balzac dentro do campo literário francês da época é de um participativo escritor, um representante máximo da produção literária e intelectual francesa, com uma obra volumosa e clássica, de quase sempre referido sucesso de público e de crítica. Seu intenso convívio diário, desde início de sua carreira de homem de letras, não só com jornalistas, mas também com livreiros e literatos, proporcionou a construção do romance Ilusões Perdidas. Os ambientes como a dos salões, nos quais senhoras aristocratas organizavam reuniões com intelectuais, aliado a ambiente de redação foram espécies de espaços de inspirações para suas alusões críticas e representações minuciosas do livro.

As condições de produção enfatizam também um período de sucesso atrelado a momentos de crise financeira e de dúvida quanto as suas funções dúbias de escritor e também jornalista. Todas as dificuldades de relacionamento com estes dois campos, deixam claro uma espécie de conflito interno, na qual percebe-se claramente que para Balzac a atividade jornalística é indigna para os homens das letras, pelo seu caráter de descompromisso com a verdade e a sociedade em si, e o seu compromisso com os valores das elites intelectuais e políticas da época.

Segundo Lavoiner, a imprensa tem um papel de provocar a reflexão filosófica (ética em primeiro lugar e, depois, política, econômica, cultural e social), sendo um campo permanente de reflexão crítica dos acontecimentos, da interpretação do passado mais recente e do devir imediato, da pesquisa sobre os fenômenos sociais, e da entrega, a cada cidadão, de um imenso trabalho de equipes pluridisciplinares.

Na sociedade do século XIX, sociedade na qual Balzac viveu, quando o êxodo rural se acelera e os laços tradicionais se distendem, o jornal tem uma importante função de coesão social. Segundo a formula de Torqueville, citado por Lavoinne: “se não existissem os jornais, quase não existiria ação comunitária”. Entretanto para o escritor francês a imprensa destoava-se de sua função social, sendo apenas um suporte para o joguete das elites intelectuais e políticas da época. Nas palavras diretas do seu famoso aforismo, “se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”

Sua crítica, encarada aqui como uma espécie de maldição, é ainda extremamente atual. Todavia suas reflexões devem ser compreendidas dentro de um contexto especifico, como já foi referido acima, de uma imprensa nascente, aliada ao capital financeiro e sem consciência dos males que porventura iriam causar a sociedade. Balzac de nenhuma maneira pensou em seu romance no lado positivo da imprensa: desvendando e elucidando os causos importantes para a sociedade, ou seja, para ele seria impossível a impressa exercer uma atividade cidadã.

È impiedosamente atual o pessimismo com que trata da questão jornalística Balzac, o seu comprometimento com o poder e com a manutenção da ordem estabelecida. Ainda hoje os vícios do jornalismo despertam controvérsias, que em muito fazem lembrar as nebulosas ligações descritas pelo universo balzaquiano. A inexistência, na época, da publicidade não impediu o escritor de antever a que ponto chegaria essa simbiose entre o capital e empresa jornalística.

Vinganças, rixas pessoais, calúnias, amizades convenientes, trocas de favores de toda espécie estão presentes no jornalismo balzaquiano do século XIX, como no atual, de grandes conglomerados empresariais. Mas o jornalismo, em todas as épocas, nada mais é que um microcosmo da sociedade na qual se insere. Encerra todas as mazelas e contradições típicas do período e da própria estrutura produtiva que o envolve. Os mecanismos torpes de ascensão individual, a avareza, a avidez pelo lucro, a competição e a conspiração da sociedade contra o indivíduo, bem como o acirramento das rivalidades políticas, são herança do próprio século XIX e da Era Moderna. A imprensa, como instituição social, apenas carrega os de um tempo em que se redesenhavam os quadros de poder e influência.

Nas páginas amargas e belíssimas do romance de Honoré estão presentes toda a sua experiência pessoal de anos dedicados as letras. Dentro do campo literário da época sua posição foi de um crítico mordaz daquilo que ele considerava a praga da modernidade: a imprensa e os jornalistas. A atualidade da obra é surpreendente, como ocorre com toda obra-prima e seu papel dentro da literatura no qual a temática jornalismo se encere, no campo da formação discursiva é de um discurso fundador, discurso que possibilitou uma regularidade enunciativa.