*Percival Puggina
Pessoas posicionadas em altos escalões da República resolveram metamorfosear-se. Ora são elas mesmas, ora são o Estado, ora são a democracia, ora a Constituição. Essa sobrenaturalidade ou transcendência produz efeitos na vida social, não havendo como não atribuir a tal grupo certos abusos percebidos no país. Quem quer ser transcendente assuma ônus e bônus; quem quer ser jequitibá, aguente o vento lá em cima.
Quantas vítimas e quantos policiais deixariam de morrer todo ano se quem os matou estivesse onde deveria estar, atrás das grades de um presídio? Duvido que não tenham, todos, longo prontuário de ocorrências, intimações, prisões e condenações a certificar sua disposição de viver fora da lei. Ninguém inaugura sua vida criminosa matando policiais. Só que nenhum daqueles eventos teve o tratamento necessário para assegurar a proteção da sociedade. Com raras, raríssimas exceções, todos foram conduzidos, pelas instituições, de modo a favorecer o transgressor. Presídios brasileiros têm porta de vai e vem.
Convivem, aqui, altos índices de criminalidade e tolerância institucional para com os criminosos. Nossos “progressistas” atrasam tudo. Indivíduos perigosos passeiam impunes por nossas ruas e estradas vivendo de violações e gerando insegurança. Na longa lista de preceitos protetivos que o engenho humano possa conceber para livrar a pele de bandidos, nada há que nossa legislação, nossos ritos, usos e costumes não consagrem. Como escreveria Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, se vivos fossem, “Aqui, majestade, em se roubando ou matando, nada dá”.
E não dá nada mesmo. Às normas tolerantes, pusilânimes face ao crime, mas inclementes com a sociedade, muitos se juntam para tornar folgada a vida dos bandidos. Tudo fazem para que tais atividades não tragam sobressaltos, riscos e cárcere a quem escolher a vida criminosa. Entre outros, verdadeira multidão de legisladores, magistrados, professores de Direito, promotores, defensores, advogados, comunicadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e religiosos – corações moles como merengue da vovó – tagarelando sobre uma nova humanidade e uma nova sociedade, convergem esforços para obter esse efeito e clamam por desencarceramento.
Escrevemos na Constituição que “todos somos iguais perante a lei”, mas umas vítimas são mais iguais que as outras. Desde que Marielle Franco morreu, a esquerda tenta empurrar seu cadáver para cima da direita. Não há o menor vestígio nem motivo que leve nessa direção, mas a conveniência política da esquerda faz o motivo, certo? “Como pode ela ser morta e a culpa não ser do adversário?”, fala a lógica desse tipo de política.
Pessoalmente, quero que todos os crimes sejam desvendados e os culpados apontados, julgados, condenados e cumpram pena, mas afirmando isso assim, genericamente, já estou desagradando a muitos. Para estes, querer prender os mandantes do crime contra a vereadora é uma coisa, mas querer presos todos os bandidos não dá porque “o Brasil prende demais”. Eles têm bandidos e vítimas de predileção.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.