*Carlos Russo Jr.
Cada um dos empreendimentos de Hitler, e também seus desejos mais profundos, são ditados pela compulsão de superar. Neste sentido, Napoleão é seguramente a figura que mais lhe provocava rivalidade. E a campanha da Rússia lhe foi ditada por Napoleão. E ele foi buscar a confiança em si mesmo nas vitórias de Napoleão, sem ter sido capaz de aprender com as derrotas deste. Por isso, desde o início da Guerra, os Nazistas tinham como estratégia principal a tomada de Moscou.
Tal qual Napoleão que firmara um pacto de não agressão com o Czar Alexandre I, e o rompeu ao invadir e tomar Moscou, Hitler e Stalin assinaram outro pacto de não beligerância com a partição da Polônia, em 1939. Hitler rompeu-o em junho de 1941 e invadiu a U.R.S.S. com mais de 4,5 milhões de soldados, distribuídos em três frentes, da qual, a mais importante, era sem dúvida, aquela que buscava a conquista de Moscou.
Hitler e seu Exército calculavam que com a queda da capital política da U.R.S.S., estaria quebrada a resistência do Exército Soviético; logo a seguir, a Inglaterra seria invadida ou se renderia, e a guerra terminaria.
A Alemanha Nazista e seus aliados teriam o domínio de todo o Mundo! -Na operação denominada “Tufão” o comando nazi esperava desbaratar as tropas soviéticas ainda nas vizinhanças da capital (entre Viazma e Briansk) e depois invadi-la e destruí-la. O “Grupo de Exércitos Central” nazista somavam 74 divisões, dentre as quais 14 blindadas e 8 motorizadas, 1 milhão e 800 mil soldados e oficiais; 1.700 tanques de guerra, 1.390 aviões, artilharia de mais de 14.000 canhões e morteiros.
As tropas soviéticas na Frente do Oeste, incluindo suas reservas, contavam com 1 milhão e 250 mil homens, 990 tanques (em grande parte ligeiros), 677 aviões (apenas 20% de novo tipo), 7.600 canhões e morteiros.
A Ofensiva Nazista. -Em outubro de 1941 as tropas nazistas desencadearam a grande ofensiva contra a primeira linha de defesa de Moscou, a 200 km da capital. O Comando Soviético e o Partido Comunista tomaram medidas enérgicas de defesa, como a construção de fortificações nos seus arredores, nas quais trabalharam dia e noite 600 mil voluntários. Ao mesmo tempo, divisões da Sibéria e do extremo oriente foram trazidas, a defesa antiaérea reforçada e 12 divisões de milicianos populares, preparadas.
Na retaguarda das tropas nazifascistas desdobrou-se um importante movimento guerrilheiro, decisivo no corte de linhas de abastecimento das mesmas.
Em Viazma, as tropas soviéticas foram cercadas pelo inimigo muito mais forte, no entanto, apresentaram tal nível de resistência que 28 divisões do Exército de Hitler ficaram imobilizadas. Em muitas frentes o cerco foi rompido e as forças soviéticas conseguiram se retirar e agruparam-se na linha de defesa de Mojaisk.
Ao norte de Moscou o inimigo teve que fazer frente à obstinada resistências das tropas soviéticas do setor de Kalinin.
Ao sul, Tula tornou-se um obstáculo intransponível. Todas as tentativas do exército blindado do general alemão Guderian, para tomá-la, fracassaram. A luta chegou a ser realizada casa a casa, quando o Regimento Operário de Tula provocou, à custa de praticamente sua extinção, enormes baixas aos nazistas.
Mesmo ao preço de grandes perdas humanas e materiais, o inimigo conseguiu finalmente alcançar os acessos próximos de Moscou, 80 km, última linha de defesa!
O Estado Soviético decretou “estado de sítio”; todo o corpo diplomático foi evacuado, parte das instituições governamentais e fábricas voltadas ao esforço de guerra, transferidas para o leste. Entretanto, o comando político- militar soviético permaneceu em seus postos na capital.
Graças à resistência de Tula, de Viazma e da ação de solapamento guerrilheiro às linhas de suprimento nazistas, o ataque frontal a Moscou teve que aguardar duas semanas para sua preparação, o que permitiu um maior reforço em toda última linha de defesa da capital soviética.
A Defesa de Moscou -O moral do Povo e do Exército Soviético foi fortalecido na comemoração do vigésimo quarto ano da Grande Revolução. Mesmo sitiada Moscou não deixou de comemorar o 7 de Novembro. Stalin proclamou: “Uma grande missão vos coube! Sede dignos dela, pois a guerra que fazemos é uma guerra justa, libertadora”.
Moscou seguia sitiada, mas inabalável. Aproximava-se o inverno, o que enfurecia Hitler e seus generais que haviam sonhado com um “Tufão”, uma guerra rápida. No entanto, as tropas nazistas, apesar das perdas, ainda eram, em muito, superiores. Apenas e tão somente, na aviação, o comando soviético conseguia manter certa superioridade numérica.
A nova ofensiva nazista começou em 15 de novembro de 1941. Dois potentes agrupamentos com 51 divisões, dentre elas 20 blindadas e motorizadas, assestaram seus golpes ao norte sobre Kline e Solnetchnogorsk, ao sul sobre Tula e Kachira, tentando fechar o cerco a Moscou. Paralelamente, atacavam a oeste da capital, através de Istra e Naro- Fominsk.
Os combates duríssimos travados foram marcados por atitudes firmes e heroicas. A 8ª. Divisão do general Panfilov conseguiu fechar o acesso dos atacantes à estrada de Volokolamski; um destacamento de voluntários combatentes realizou uma façanha imortal, lançando-se contra dezenas de tanques, num combate que durou quatro horas; nenhum deles sobreviveu, mas, ao final, 18 tanques ardiam e ao seu redor, dezenas de soldados alemães encontram sua sorte.
Soldados de infantaria, tanquistas, cavalaria, fuzileiros navais da esquadra do Pacífico, artilheiros, sapadores, combatentes de todas as armas defendiam com excepcional bravura Moscou impedindo todas as tentativas nazi de ruptura da linha de defesa final.
Entre todas as capitais europeias atacadas pelo ar pelos hitleristas, a melhor protegida, a que sofreu menos danos materiais e da população, foi Moscou. Ao todo, a aviação soviética e a defesa antiaérea abateram 1.300 aviões inimigos. Na história da Batalha de Moscou figuram os nomes de 24 pilotos de caça que, ao terem seus aparelhos praticamente inutilizados pelo fogo inimigo, conseguiram arremeter e provocar colisões com a destruição de aeronaves nazis.
Na retaguarda do inimigo, os guerrilheiros reforçavam os seus golpes. Seus nomes jamais foram esquecidos.
Em uma das estações do metrô de Moscou, há alguns anos, pude pessoalmente reverenciar a escultura dedicada a Zoia Kosmodemiaskaia (teria o nome Zoia inspirado Prestes ao dar esse mesmo a uma de suas filhas, a responsável pela tradução para o português do diário da segunda mulher de Dostoievski?). Aos dezesseis anos, a moça despediu-se de sua mãe e de Moscou para se juntar aos guerrilheiros. Conseguiu ultrapassar a linha de frente e seu grupo dedicou-se a incendiar as casas em que os nazistas se abrigavam. Foi presa por uma patrulha e resistiu heroicamente à tortura. Seus carrascos decidiram enforcá-la; enquanto o carrasco lhe colocava a corda no pescoço, ela gritou aos aldeões russos coagidos a assistir à execução: “Eu não tenho medo de morrer, camaradas. É uma felicidade poder morrer por meu povo!”
Os combates, entretanto, sem ruptura de fileiras, aproximaram-se até a distância de 25 a 30 km de Moscou! Mas a partir daí não conseguiram avançar um palmo.
Enquanto isto, no auge da Batalha de Moscou as tropas soviéticas passaram à ofensiva nos acessos de Leningrado e na frente sul, libertando as cidades de Tikhvine e Rostov. Essas ações impediram a chegada de novos reforços nazistas.
A Contraofensiva Soviética -Lenta mas implacavelmente, a correlação das forças mudava a favor das Forças Armadas Soviéticas. Em 5 de dezembro de 1941, contando com forças de retaguarda, teve início a primeira operação ofensiva estratégica das forças soviéticas na Segunda Guerra Mundial, numa frente de 500 km de batalha, indo de Kalinin a Ielets. Seu objetivo era desbaratar os agrupamentos de choque inimigos e colocar Moscou livre do perigo de invasão.
Inopinado e demolidor, o primeiro golpe soviético estonteou o inimigo. Mas ao voltar a si, ele ofereceu encarniçada resistência às forças vermelhas, mas, à custa de grandes perdas, teve que recuar a toda pressa.
Os campos de batalha nas proximidades de Moscou ficaram cobertos de cadáveres de soldados e de oficiais fascistas, de material de guerra alemão destroçado e abandonado.
No território libertado viam-se por toda parte traços das destruições e da ferocidade dos alemães e seus aliados. Por exemplo, em Kline, devastaram a Casa-Museu de Tchaikovski, em Iasnaia Poliana, pilharam o Museu Tolstói e profanaram o túmulo do escritor genial. Em Volokolamsk, as tropas libertadoras encontraram mais de cincoenta jovens da organização de resistência Komsomol barbaramente trucidados e enforcados pelos nazistas em fuga.
Com tudo isto, a contraofensiva coroou-se por uma brilhante e esmagadora vitória. A operação “Tufão” dos nazistas, em que eles tanto haviam apostado, fracassara. Seus agrupamentos de choque foram repelidos para mais de 200 km de Moscou, após perderem 38 divisões, dentre elas, 15 blindadas e motorizadas.
A derrota abalou seriamente a máquina de guerra nazista, tida até ali, como imbatível.
Durante seu avanço, as tropas soviéticas libertaram 11.000 localidades, incluindo 60 cidades. A inferioridade das tropas vermelhas fora superada pela superioridade política e moral, pela incorporação de todo um povo na luta Pátria.
No inverno de 1941/1942, com a ofensiva libertadora em Leningrado, as perdas humanas nazistas ultrapassaram os 850 mil mortos e “O Eixo”, pela primeira vez, desde 1939, perdeu a iniciativa estratégica.
Num discurso pela rádio inglesa, disse Charles de Gaulle: “Não há um só francês honrado que não aclame a vitória da Rússia. Enquanto a força e o prestígio alemães oscilam, sobe ao zênite o sol da glória russa”.
O jornal Star de Washington, reproduzindo fala do Presidente Roosevelt, escreveu: “Os sucessos da Rússia revestem-se de grande importância não só para Moscou e o povo russo, como também para Washington, para o futuro dos Estados Unidos. A vitória renderá homenagem aos russos por terem suspendido a “guerra relâmpago”, pondo em fuga o inimigo”.
A guerra nazifascista ainda levaria o terror a muitos povos da Terra; cobraria muito sangue, mas o “crepúsculo dos deuses” já se delineava no horizonte. Moscou estava salva.
Tal qual Napoleão, o Povo e as Forças Armadas Soviéticas haviam impingido a Hitler a primeira grande derrota, prenunciando sua derrota final, seu próprio Waterloo.
Referências:
1. Riábov, Vassíli: “O Grande Feito do Povo Soviético e seu Exército”. Ed. Progresso, 1983.
2. Canetti, E.: Massas e Poder. Companhia de Bolso, 2003.
3. Hobsbawm, E.: A Era dos Extremos- O Breve Século XX. Companhia das Letras.