*Roger Scruton
Tenho duras palavras a dizer sobre os fanáticos por saúde, os mulás malucos e quem quer que prefira se sentir ofendido ao considerar o ponto de vista de outras pessoas. Mas meu objetivo é defender a opinião atribuída a Platão de que ‘os deuses jamais concederam ao homem algo mais excelente ou valioso que o vinho (…) É contra a falsa santidade e a prudência covarde que se dirige a minha discussão, não a fim de fomentar o vício, mas para mostrar que o vinho é compatível com a Virtude. (…) Os fanáticos por saúde, que tem envenenado todos os nossos prazeres naturais, devem ser reunidos e trancafiados juntos num lugar onde se possam entediar mutuamente, empanturrando-se com suas inúteis panaceias para a vida eterna. (..) Minha opinião é que o vinho é um excelente acompanhamento para a comida; mas é um acompanhamento ainda melhor para a reflexão. Na minha experiência o vinho ajuda a transformar eros em ágape, deixar de desejar alguém para desejar a felicidade dessa pessoa” (…) Enquanto a caridade nada pede em troca o amor erótico dá apenas o que visa receber. Daí o fato de eros ser restringido pelo ciúme, ser infinitamente vulnerável à rejeição e precisar se proteger com a vergonha.
A embriaguez nos bares, exagerada, como a que levou à lei seca, acontecia porque as pessoas consumiam a bebida errada e do modo errado (…) Graças ao empobrecimento cultural os jovens não têm mais um repertório de músicas, poemas, discussões ou ideias com o qual possam entreter uns aos outros em suas taças. Eles bebem para preencher o vazio moral gerado por sua cultura, e embora tenhamos conhecimento dos efeitos adversos da bebida num estômago vazio, estamos agora assistindo aos efeitos bem mais devastadores que a bebida gera numa mente vazia.
Impossível não evocar as situações diárias da juventude que não sabe degustar um vinho -bebem chá sem açúcar acompanhando a comida vegana- e no final de semana dão conta de algumas garrafas de vodca….Paradoxo de mentes vazias, está tudo dito. (…) Daí que o vinho, quando bebido adequadamente, pode fazer parte de uma educação na moderação, e é por essa razão que os adolescentes devem ser judiciosamente expostos a ele e não, como nos USA, proibidos de prová-lo enquanto não tiverem aprendido a se embriagar com todas as outras bebidas.
O vinho não é apenas um objeto de prazer, mas também um objeto de conhecimento; e o prazer depende do conhecimento (…) Em tudo o que é necessário para a vida humana devemos defender o local sobre o global; e em tudo o que é supérfluo devemos conceder ao global o desfrute do seu triunfo vazio (…) Esta é, na minha experiência, uma das melhores dádivas do vinho: ele nos capacita a sustentarmos diante da mente o problema do eu sem cairmos no abismo cartesiano (…) Quando erguemos uma taça de vinho até nossos lábios, estamos saboreando uma coisa viva. É como se o vinho fosse outra presença humana em qualquer reunião social, um foco de interesse igual ao das outras pessoas que estão ali. O vinho servido adequadamente desacelera tudo o que acontece à volta, estabelecendo um ritmo de tranquilos goles no lugar de tragos glutões.
Ao contrário dos ecolamentadores eu não me oponho às viagens por causa da energia que elas consomem. Oponho-me as viagens em que as pessoas vagam por lugares aos quais não pertencem perturbando quem ali se estabeleceu e dispersando o capital espiritual armazenado em todos os locais onde se investiu amor.
Alguém definiu o puritanismo como ‘o temor persistente de que alguém, em algum lugar, esteja feliz (….) Imagens de fumantes famosos como Churchill e Sartre sofreram alterações feitas pelo Ministério da Verdade para que o artigo transgressor fosse retirado de entre seus dedos, e no mural da escola o edito absolutista ‘não fumarás’ está ao lado do poster que orienta os garotos e garotas de doze anos sobre sexo seguro e aborto livre.
Para Tomás de Aquino, poucas pessoas chegam na “Secunda secundae” sem a ajuda de algumas garrafas de uísque escocês. Para ler Kant, uma garrafa de Malbec argentino, porque não é má ideia combinar a crítica da razão pura com algumas histórias de Borges.
Para enfrentar Nietzsche melhor beber com uma porção de Beaujolais num copo com água gasosa até a boca, poção franzina e hipocondríaca.
O antigo provérbio nos diz que a verdade está no vinho (in vino veritas).