*Anastassia Boutsk
Desde janeiro de 2014, Nike Wagner é a diretora do Beethovenfest em Bonn, o festival anual que gira em torno da obra do compositor Ludwig van Beethoven.
Nike Wagner não é um nome desconhecido dos amantes da música: ela é trineta de Franz Liszt e bisneta de Richard Wagner. Em entrevista à DW, a diretora indica os seus planos para o futuro do festival.
DW: O Beethovenfest de 2014 tem um programa elaborado por sua antecessora. Muitos se perguntam se haveria também a marca de Nike Wagner na programação.
Nike Wagner: O programa estava fechado e havia obrigações contratuais. Mas eu queria deixar algumas marcas minhas. Por exemplo, adicionei um novo formato – uma matinê de abertura com música e uma palestra minha sobre Beethoven e Bonn. A escolha das peças musicais mostrou em que direção meus pensamentos vão em relação ao Beethovenfest. “Bagatela para B” é o nome de uma peça bastante espirituosa escrita por Reiner Bredenmeyer em 1970, com muitos metais e muita ironia. Logo após, um jovem pianista toca as “verdadeiras” bagatelas de Beethoven.
Ao final, pôde-se ouvir uma “Sinfonia de Beethoven” para orquestra de câmara, por Dieter Schnebel, com a presença do próprio compositor. Ele compôs uma releitura suave do primeiro movimento “marcial” da Eroica, destacando cores, sentimentos e até mesmo o humor da obra. Interesso-me em trazer Beethoven para os dias de hoje, e me alegro quando compositores contemporâneos se ocupam dele.
Em entrevista à DW em março deste ano, a senhora mencionou problemas com o Beethovenfest, relacionados principalmente com o fato de que se pode ouvir as melhores orquestras do mundo tocarem Beethoven, em Londres, Viena e Paris. Assim, ninguém precisa vir para Bonn. Durante a era Nike Wagner, por que as pessoas deveriam vir a Bonn?
Isso não é assim tão simples. A música de Beethoven é tocada em alto nível em todo o mundo. Além disso, ele é associado a Viena. Com Beethoven não se pode ser tão “inconfundível”. O que Bonn pode fazer para fortalecer sua imagem como cidade de Beethoven? A cidade possui uma orquestra muito boa, a Orquestra Beethoven de Bonn, mas durante o festival as pessoas querem ouvir as grandes orquestras internacionais, e não há nada de errado nisso.
Por outro lado, há um risco: orquestras que saem em turnês tocam o mesmo programa em todos os lugares. Por isso eu insisto em futuramente fortalecer um conceito central. Temos que criar uma espécie de dramaturgia: relacionar Beethoven a outras obras, tanto antigas como novas ou contemporâneas, oferecer premières mundiais, mostrar a influência de Beethoven na música sinfônica da Europa. Também é importante poder ouvir as diferentes sonoridades em Beethoven, poder confrontar a sonoridade “original” do seu tempo com a sonoridade dos modernos instrumentos.
Minha antecessora fez todo o possível para dar uma reputação internacional ao Beethovenfest. Mas isso só é possível até um determinado ponto, a concorrência das metrópoles é muito grande. Mas o que impede de termos aqui um festival muito especial, mas de forte componente regional? O lema é “pense globalmente, aja localmente”.
Beethoven foi um grande modelo para seu bisavô, Richard Wagner. Qual é a presença do compositor na sua vida?
Ele sempre esteve presente na minha juventude: afinal, ele era o único outro compositor cuja música também podia ser executada no Bayreuth Festspielhaus. A adoração de Wagner por Beethoven se tornou uma tradição na nossa família. Hoje eu o admiro também como revolucionário e defensor dos direitos humanos. Mas o músico é arrebatador em sua inquietação: ele nunca estava satisfeito, sempre impulsionava a música adiante. Ele levou todos os gêneros – a sonata ou o quarteto de cordas – aos seus limites, foi um vulcão de criatividade, mas também de seriedade.
Com ele, música não tinha mais nada que ver com entretenimento, ela ganha um status existencial completamente diferente – música tem que ver com a dignidade humana. Alcançar esse ethos elevado sem fazer pregações de dedo em riste é simplesmente fantástico. Em Beethoven, a Alemanha tem um compositor de reputação limpa, em termos políticos e artísticos. É um “embaixador ideal” da cultura, por assim dizer.
Franz Liszt também está muito presente em Bonn. A cidade é próxima da ilha de Nonnenwerth, onde o compositor residiu por um certo tempo. A senhora tem a intenção de celebrá-lo, também?
Liszt adorava Beethoven. Ele praticamente forçou a população de Bonn a se comprometer com Beethoven. Ele pagou a estátua do compositor na cidade e iniciou o Beethovenfest. Além disso, adaptou todas as nove sinfonias para o piano. Em algum momento ele vai constar em meu programa, seus poemas sinfônicos, também. Hector Berlioz, amigo de Liszt, também era um aficionado por Beethoven, por isso também temos que incluí-lo no programa. Todos são maravilhosos compositores europeus herdeiros de Beethoven, cujos trabalhos são muito pouco ouvidos.
Festivais que homenageiam um compositor são inevitavelmente comparados ao de Bayreuth, onde o herói local, Richard Wagner, é celebrado de modo particular. O Beethovenfest teria algo a aprender com Bayreuth, ou a senhora pensa que aquele modelo é obsoleto?
Bayreuth é um caso a parte. Isso tem que ver com o conceito radical de existir uma casa de ópera apenas para a obra de um compositor: Wagner. Sem essa casa, Wagner seria um compositor relativamente normal, executado em casas de ópera de todo o mundo, como Verdi ou Mozart. Ele também não teria sido ideologicamente manipulado na medida que acabou sendo pelo nacional-socialismo.
O caso de Beethoven é completamente diferente. Ele é principalmente um compositor de música instrumental, a ópera Fidelio é uma exceção. Música sinfônica e de câmara estão, basicamente, num nível abstrato. O “titã” Beethoven foi, é claro, usado em celebrações oficiais pelos nazistas, pela Alemanha Oriental e também por Stalin, quase que exclusivamente a Nona!, mas esse tempo se foi.
Nem mesmo uma casa de espetáculos para Beethoven, como planejado em Bonn, poderia gerar uma monomania Beethoven comparável à de Wagner em Bayreuth.