*Alexsandro Alves
A revista britânica “Classic CD” teve uma versão brasileira nos anos 90. Ao pensar no que escrever sobre a “Sinfonia do Destino”, de Beethoven, enquanto me dirijo à padaria, imediatamente vem à mente uma piada que um crítico fez sobre uma nova gravação recém-lançada. Na crítica, o jornalista perguntava: “E ainda existe algo novo para se dizer com a Quinta?”. Lembro que ri muito quando li isso. Porque é a sinfonia mais gravada de Beethoven, todos os regentes gravam-na, alguns deles, como Karajan, mais de uma vez, é sua obra mais conhecida e se tornou, inclusive, uma espécie de jargão para surpresas: “pã-pã-pã-paannnnn”.
A Sinfonia n.º 5, em Dó Menor, op. 67, estreou no dia 22 de dezembro de 1808, no Theater an der Wien, em Viena, em um concerto de quatro horas que reuniu, também, as estreias da Sexta, de duas obras para piano: o Concerto para Piano n.º 4 e a Fantasia Coral para Piano e Orquestra, ambas com Beethoven tocando o piano, de partes da Missa em Dó Maior e da ária “Ah! Pérfido!”, além de uma improvisação ao piano do próprio Beethoven, era dezembro e nevava. O concerto foi mal-recebido, sobretudo devido ao frio. Geralmente as estreias de Beethoven ocorriam em abril, com o clima mais ameno. No entanto, certos desencontros ocasionados, por um lado, pelas obstinações de Beethoven e, por outro, pelos próprios empresários, resultaram em um dia nada propício para o compositor.
Os músicos também não estavam habituados a performances tão longas de obras tão inusuais. E devido ao temperamento de Beethoven, algumas peças foram entregues apenas alguns dias antes da estreia, dificultando os ensaios e enfurecendo ainda mais os empresários. Fora tudo isso, do ponto de vista do público, tudo foi ótimo. Sobretudo com relação às duas sinfonias, a Quinta e a Sexta – todas recebidas entusiasticamente por uma plateia que congelava dentro do teatro. Diferente da Terceira (“Eroica”), a Quinta foi amada desde sempre. Nunca Beethoven veria outra obra sua se tornar tão popular. Conforme sabemos, Beethoven era bastante dúbio sobre seu público. Sempre que alguém lhe perguntava qual sua sinfonia preferida, esperando como resposta “a Quinta”, ele respondia “a Eroica”. Exatamente a sinfonia incompreendida pelo público.
Com a Quinta, assim como em todas as suas sinfonias, Beethoven alcança novos rumos em sua arte. Nessa sinfonia, a novidade dá-se pelo fato de que o assunto principal não é um tema grandioso ou singelo, é apenas um motivo de um compasso formado por duas notas, uma delas repetida duas vezes: sol – sol – sol – mi bemol. Apenas isso. E Beethoven consegue unificar os quatro movimentos exigidos para uma sinfonia completa. Sobretudo o primeiro movimento, quando a célula rítmica surge, abrindo – o, é de uma unidade e coerência sem paralelo. Essa sinfonia também é única por outros motivos, aliás, por vários. Um outro motivo é que, nas demais sinfonias, Beethoven demora para apresentar as ideias principais, veja, por exemplo, a Quarta, em que o primeiro tema principal surge apenas no “Allegro vivace”, o “Adagio” inicial é uma longa introdução antes do primeiro tema. Com a Quinta, não há preparação nenhuma.
Somos logo imersos nos turbilhões de força de Beethoven. Ele nos puxa com o poder de atração de mil atmosferas logo nos primeiros acordes. Também é nova a inserção de Beethoven de trombones na orquestra. Antes, esses instrumentos eram usados apenas em música religiosa ou operística. Com a Quinta, eles são incorporados de vez à orquestra sinfônica. São usados apenas no quarto movimento.
Essa sinfonia é em dó menor. Os tons menores, segundo a tradição, são tons ideais para a tristeza, a amargura, a revolta, o ódio, para sentimentos rancorosos. A Igreja desaconselhava o uso desses tons em música litúrgica. Em Beethoven, o dó menor está associado à tragédia e à luta contra um destino inexorável. Seria sua surdez? Seria sua relação familiar, sempre complicada? Seria sua indisposição constante com o público, com a crítica, com os editores? Esse destino fatal, essa tragédia, é imediatamente apresentada com o “pã-pã-pã-paannnnn”, o sol – sol – sol – mi bemol do início.
No entanto, a sinfonia ruma para um final estrondosamente triunfante no quarto movimento, o mais emocionante dos quatro. Aqui, quando os trombones surgem, são os agentes que anunciam a superação, a resiliência, a vitória triunfante após a queda. Beethoven sofre, mas acredita que o bem sempre triunfa no final, e esse triunfo precisa ser bombástico. “Da dor para a alegria”, como dizia o compositor. Essa obra tem uma história em suas pautas, mas diferente da Terceira, não é tão explícita; não há, na dedicatória, uma frase mais extensa que mostre um caminho ou um movimento nomeado com expressões além dos tradicionais andamentos em italiano, como há na Terceira – a marcha fúnebre, no segundo movimento. Sabemos apenas por um amigo, Anton Schindler, que certa vez Beethoven disse, sobre as batidas iniciais: “Assim, o destino bate à porta!”. A partir daí, a obra ficou conhecida como “Sinfonia do Destino” e a imaginação toma conta.
Há um dado mais interessante que precisa ser destacado nessa sinfonia. Beethoven sempre foi um entusiasta dos processos políticos que ocorriam na França. Mesmo após sua decepção com Bonaparte, ele nunca perdeu a fé no ideário francês de igualdade, liberdade e fraternidade. Essa sinfonia pode ser ouvida como uma resposta de Beethoven a sua decepção com o general. A decepção com o homem no primeiro movimento, a permanência e a vitória do ideário libertário no quarto. Ideias e ideais não morrem.
A obra tem quatro movimentos, assim nomeados: “Allegro com brio” (Rápido com brilho), “Andante con moto” (Caminhando com segurança), “Scherzo – Allegro” (Brincadeira – Rápido), “Allegro – Presto” (Rápido – Muito rápido). Uma nota importante: essas traduções de expressões italianas são sempre controversas. Se “rápido com brilho”, é fácil de entender e bastante coerente, o mesmo não se pode afirmar de “andante con moto”, cuja tradução literal é “andando com movimento”. Essas nomenclaturas indicam a maneira que a música deve ser tocada, mais rápida ou mais lenta, solene ou jocosa e assim por diante. Geralmente não são traduzidas, seu conhecimento se dá mesmo pela tradição e pela prática.
A Quinta habitualmente tem 35 minutos de duração. Abaixo, uma gravação com Christian Thielemann.
https://www.youtube.com/watch?v=yTL8j-JU_ow&ab_channel=250thChannel