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Beethoven, Op.21

Colaborador de Navegos escreve sobre uma peça beethoveniana que inicia um padrão na produção do grande musico alemão.

Francisco Alexsandro Soares Alves

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Quinta-feira, dia 08 de setembro de 2022, foi aniversário de Franklin Jorge. Comemorado com um café em sua residência, confraternizaram com o escritor e polêmico jornalista, amigos, amigas e este escriba. Na ocasião, o jornalista Vanilson Julião, falou-me: “Por que você não escreve uns artigos sobre as sinfonias de Beethoven?”. Achei a proposta pertinente. Sendo assim, inicio, com este artigo, uma série de 10, sobre as nove sinfonias do Mestre de Bonn. Embora que meus próximos artigos não serão todos uma sequência sobre as sinfonias, porque estou lendo Conceição Evaristo e Homero, além de continuar Proust, por isso intercalarei alguns artigos “sinfônicos” com outros “literários”. Este primeiro é sobre a primeira sinfonia.

Para Beethoven, as tonalidades tinham uma ressonância emocional especial na alma do ouvinte. Era uma ideia compartilhada desde o barroco e que Schopenhaer desenvolveria de maneira filosófica em sua estética musical. Hoje, há estudos que relacionam tons e emoções. O Dó Maior era um tom propício à grandiosidade, ao militarismo, aos eventos públicos solenes como coroações. O Ré Maior, um tom claro, puro, para sentimentos alegres, para danças e peças engraçadas. O Mi Maior, para sentimentos joviais, rápidos, brincalhões. O Fá Maior, para momentos com a natureza, de relaxamento e contemplação. O Sol Maior era um tom próprio para o esclarecimento e a intelectualidade. O Lá Maior era o tom da harmonia, da concórdia, dos bons afetos. O Si Maior era um tom feminino, misterioso, adequado para expressar sentimentos amorosos suaves. A primeira sinfonia de Beethoven é em Dó Maior e frequentemente é barulhenta e marcial. É a única sinfonia escrita na primeira fase criativa beethoveniana, assim como a Nona seria a única escrita em sua terceira e última fase – ou seja, a maior parte de sua obra sinfônica está em sua segunda fase criativa.

O nome completo da sinfonia é: Sinfonia n.1, em Dó Maior, Op. 21. “Op” é sigla de “opus”, que em latim significa “obra” e na música corresponde ao número de obras publicadas de cada compositor. No caso dessa sinfonia, é então a vigésima primeira obra publicada de Beethoven. É uma sinfonia em que Beethoven não consegue disfarçar a influência poderosa de Mozart e de Haydn. Mas é Beethoven e isso significa que há mudanças.

Primeiramente, o centro gravitacional central da peça não é o primeiro movimento. Nas sinfonias clássicas, o primeiro movimento sempre é o mais importante – o restante da sinfonia é para adequar a inspiração à forma. Porém temos um detalhe aqui. Hoje sabemos que o movimento que Beethoven compôs primeiro foi o último. Este é de fato o primeiro movimento. Mas Beethoven o coloca para o último ponto de sua obra. Nas sinfonias seguintes, mais experiente, comporia na ordem. Nessa primeira sinfonia, a mudança de importância na ordem dos movimentos soa um tanto artificial – ela ainda é uma sinfonia clássica – mas com uma “pequena” intromissão de seu compositor. Mesmo assim, é difícil encontrar algo moderno na obra. Tanto assim, que a crítica em todos os jornais da época, sempre afirma que essa música é “nova”, mas nunca afirma de fato onde. Também é notório que o público aprovou a peça.

A novidade, de fato, era uma, além da ordem de importância dos movimentos (que nessa sinfonia de Beethoven – e apenas nessa, era artificiosa): o uso excessivo de instrumentos de sopro. Nesse ponto os críticos foram unânimes: a obra havia sido mal orquestrada. Havia muitas passagens entregues aos sopros, quando deveriam ser das cordas. Para os críticos, esse erro tornou a obra “monocromática”: “Haydn e Mozart nunca cometeram tal erro”, afirmava o crítico do principal jornal de música de Viena o “Allgemeine Musikalische Zeitung”, “Gazeta da Musicalidade Geral”.

Com esta obra Beethoven inicia um padrão em sua carreira. Alternar peças novas, revolucionárias, com peças mais amenas, para agradar o auditório. Essa primeira sinfonia, ruidosa, mal orquestrada, seria seguida por uma mais aceitável. Não que a Op. 21 tenha sido um fracasso. Não foi. O público a amou desde sempre. Mas para Beethoven, as explosões e os ruídos dessa música foram maneiras dele se mostrar ao público vienense. Público exigente que cresceu com Haydn, Mozart, Salieri e outros e agora voltava sua atenção para um jovem iracundo que, nos momentos explosivos de sua obra, olhava para o público para ver sua reação.

Em uma sinfonia, cada parte é chamada de movimento. Numa sinfonia clássica, o mais comum era que a sinfonia tivesse sempre quatro movimentos. Sendo assim, os movimentos, segundo a tradição clássica, nessa sinfonia, são quatro: Primeiro movimento: Adagio molto – Allegro con brio (Muito lento – Rápido com brilho); Segundo movimento: Adagio cantabile con molto (Lento e bastante cantável); Terceiro movimento: Menuetto: Allegro molto e vivace (Minueto: Muito rápido e vivo) e Quarto movimento: Adagio – Allegro molto e vivace (Lento – Muito rápido e vivo). Percebam que numa sinfonia clássica, a regra exigia que o primeiro e o quarto movimentos fossem movimentos em andamento rápido; o segundo deve ser lento e o terceiro, uma dança (geralmente um minueto ou uma valsa). Beethoven joga com a paciência e a surpresa do público, iniciando sua primeira sinfonia de maneira lenta (adagio), para depois mudar para rápido (allegro), como exigia a regra e também as expectativas do auditório. Uma execução dura em média 30 minutos.

Abaixo, um link de uma gravação dessa obra, regida por Christian Thielemann.

https://www.youtube.com/watch?v=eiLjTA39aJI&ab_channel=250thChannel