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Berilo Wanderley e Eu

Fundador de Navegos evoca seu relacionamento com o titular da Revista da cidade, uma das colunas mais lidas do jornalismo potiguar nas décadas de 1960-1970

*Franklin Jorge

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Recentemente li sobre Berilo Wanderley um longo texto, escrito em estilo convencional e sem nenhuma observação que acrescentasse uma vírgula ao que já era por todos sabido. Contudo, ao ler esse texto repetitivo e opaco, lembrei-me do tempo em que trabalhamos, Berilo e eu, na redação do matutino Tribuna do Norte, onde ele já se encontrava havia uma dezena de anos produzindo uma coluna diária lidíssima, quando ali aportei.

Sempre em trânsito, subia vez ou outra à redação, para cumprimentar e trocar algumas palavras com algum colega, a maioria, para ele, então desconhecida ou somente conhecida de nome, pois seus antigos companheiros de boemia, como o polimático Newton Navarro já desertara daquele oficio que, como eu costumava dizer, caía bem para quem não tem efetivamente uma profissão ou vive de rendas.

Um ser afável e facilmente irritável, não era de conversa comprida. Num certo período, quando passei a ter alguma convivência com ele pelo fato de ser o seu Editor, reclamei do atraso com que estava entregando sua colaboração, quase sempre depois do prazo estabelecido, o que gerava reclamações do Chefe das Oficinas, Baltazar, sempre de olho no cumprimento dos horários para não prejudicar o trabalho dos digitadores dos textos que escrevíamos então em velhas máquinas de escrever. O atraso de um prejudicava a muitos que ficavam, sem um tempo, sem ter o que fazer e no fim do dia tudo se afunilava provocando queixas e reclamações ao Diretor de Redação.

Berilo ficou sumamente irritado quando o adverti pela terceira ou quarta vez num curto lapso de tempo e, irrefletidamente, movido pela irritação, disse em voz alta que estava se demitindo e ia comunicar o fato a José Gobat, o melhor dos Alves, segundo o conceito que gozava da parte do corpo jornalístico e dos demais funcionários da empresa. Creio que em consequência dessa raiva repentina e incontrolável, passou três ou quatro dias sem publicar nada, até que, atendendo talvez a pedidos de Woden Madruga, retomou sua atividade com o costumeiro brilho do seu talento de cronista excepcional.

Conheci-o, antes de trabalharmos na Tribuna, por seus escritos e a produção poética de um poeta bissexto detentor de um refinado substrato literário que somente adquirimos quando nos fazemos leitores exemplares. Sabia que, como todo Wanderley, amava a ironia e certa vez a poetisa Clarice Palma, sentindo-se ferida em sua vaidade de poetisa de voo curto, quis quebrar a sombrinha em sua cabeça, mas isto teria ocorrido quando eu ainda seria um menino ou pré-adolescente, não sei…Creio que essa ocorrência me terá sido relata por Myriam Coeli, que o admirava e lhe queria bem.

Certa vez, conversando comigo, ofereceu-me, como um presente ‘’de admirador e colega’’, sua biblioteca que já teria exorbitado o espaço disponível em sua casa, mas recusei tamanha dádiva, por considerar sua oferta exagerada.

Quando, por pirraça, me candidatei à Academia de Letras na vaga de Palmira Wanderley, cujos versos musicados por alguns expoentes da boemia natalense embalaram a minha infância, cantados, para embalar-me,  por minha avo materna em sua bela voz de contralto, ofereceu-me um livro de Guilherme Figueiredo, As excelências, no qual o autor de Um deus dormiu lá em casa reunira o que escreveu sobre sua experiência como candidato à Academia Brasileira de Letras. Disse-me que entedia que a minha candidatura seria apenas, a seu ver, a forma que eu encontrara para debochar da instituição, pois, lendo-me, percebera que eu não me enquadrava em formalismos nem habitaria mausoléus. Pelo menos em vida… Mas, que eu me surpreenderia com as coisas inusitadas que estariam para acontecer e que me revelariam os subterrâneos do sodalício provinciano e a vaidade por ali vicejava. Por sua notoriedade, acrescentou, você vai começar por ser procurado por algum imortal que lhe oferecerá o voto espontaneamente e, apesar disto, o dará a outro… De fato, isto aconteceu com Gumercindo Saraiva, que procurou o ex-governador Aluizio Alves para dizer-lhe que o jornal precisava ter um representante na Academia de Letras. Ignoro a resposta do modernizador do estado no RN, mas alguns dias depois fui procurado pelo próprio imortal que me disse que seu voto seria meu. Engraçado é que nesse mesmo dia recebi um convite do desembargador Mário Moacir Porto, candidato já inscrito à vaga aberta com a morte de Palmira, para tomar um café em sua casa à Avenida Salgado Filho. Como não o via com frequência, apesar de sabe-lo um leitor habitual de minhas publicações, fui.

Conversa, como sempre, agradável, sobre o dia a dia da cidade, livros e escritores do nosso relacionamento, como o mestre Ascendino Leite, Câmara Cascudo, José Américo de Almeida, Nilo Pereira, a Academia de Letras. A essa altura, pergunta-me o meu anfitrião sobre a minha candidatura que estava dando muito o que falar. Sei que ainda não a registrou, porém ainda há prazo bastante para fazê-lo. Quis saber ainda se já contava com algum voto. Respondi que, apesar de não ter agido neste sentido, três imortais haviam me procurado para declarar seu voto, segundo os quais ‘’um talento jovem’’. ‘’grande jornalista’’, ‘’honra e glória do Ceará-Mirim’’, etc. Todos ligados ao ex-governador Aluizio Alves, sócio principal do jornal onde eu prestava serviço. O desembargador, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, perguntou se eu podia declinar seus nomes. Não vi impedimento para fazê-lo, e disse: Enélio Lima Petrovich, Ignácio Meira Pires, meu conterrâneo da terra dos verdes canaviais, e o musicólogo Gumercindo… Neste ponto, fez um sinal, pedindo um tempo, e levantou-se da poltrona. Foi até sua escrivaninha, abriu uma gaveta e dela retirou um envelope grande e três menores que continham o voto de Gumercindo, para a eventualidade de ser necessário realizar mais de um escrutínio… Dr. Mário Moacir Porto confessou que até então não conhecia o esforçado rabequista, que o procurara, muito pressuroso, para declarar sua admiração por homem tão notável paraibano que se tornara potiguar pelo casamento e dizer-lhe quanto se sentia honrado sufragando seu nome para a Academia Norte-riograndense de Letras.

Não contive a gargalhada e, para comemorar a revelação de tanta honra, pedi a meu anfitrião que brindássemos o fato com mais uma rodada de cafezinhos…