*Alexsandro Alves
William-Adolphe Bouguereau, foi um pintor francês, nascido em 30 de novembro de 1825 e falecido em 19 agosto de 1905. A arte de Bouguereau faz parte do movimento academicista europeu, que se originou no século XVI e no século XIX alcançou seu apogeu.
Os academicistas afirmavam que a arte pode ser codificada e ensinada, sem a necessidade de originalidade. O domínio da técnica acima de todas as questões.
Bouguereau foi o mais aguerrido pintor oitocentista na defesa do academicismo. Ele compreendia que a arte é a expressão do belo e não do feio.
Quando admiramos qualquer obra desse artista, a perfeição técnica é chocante. O artista a domina como se fosse a única parte importante de sua composição. Mas não é. E essa aparência pode enganar.
Bouguereau presenciou o impressionismo francês e os pré-rafaelitas, não se deixou dominar por nenhum deles. E os criticava, mas absorveu o desejo pelo detalhe dos pré-rafaelitas.
Em fins do século XIX, a obra de Bouguereau foi considerada ultrajante exatamente por sua perfeição técnica. A impressão que causava era que buscava sempre uma perfeição doentia que chegou a incomodar as pinceladas impressionistas.
Quando conheci sua arte, nos inícios dos anos 2000, de fato fiquei em dúvida se era uma pintura ou uma fotografia trabalhada com alguma nova tecnologia. Essa perfeição doentia me atraía.
As formas, as cores, os temas, tudo cercado de extremo cuidado composicional e elevadíssimo apuro técnico, nada em seus quadros está ali de forma descuidada. É mesmo uma das artes mais artificiais que existem. Não é possível encontrar defeito. O que mais choca é exatamente isso.
Mas artificial não significa superficial. Embora que Bouguereau idealize até mesmo quando retrate mendigos: não lhes faltam a suavidade e a luz marcantes na pele. Não parecem mendigos. Abaixo, A família indigente, de 1865. Essa família parece até ser proprietária de posses, quando comparada ao realismo de um primeiro van Gogh, como em Os comedores de batata, de 1885.
Aos poucos, a arte de Bouguereau vem sendo reabilitada. Aquela ranço modernista contra o pintor – e contra a beleza –, vem dando lugar às exposições e sua obra caiu no gosto do povo. Museus na Europa dedicam paredes a sua obra e nos Estados Unidos sua popularidade e aceitação crescem.
Bouguereau no Brennand
Foi uma surpresa quando me deparei, no Instituto Brennand, em Recife, com uma tela do pintor.
Eu não estava apreciando as pinturas, nessa primeira visita, decidi que a apreciação seria unicamente para as esculturas. No Brennand precisa ser assim, não é possível ter uma experiência completa se você vai com pressa ou se você não sabe o que quer. Você precisa estar disposto a esquecer o tempo e se dedicar ao espaço.
E o espaço no Brennand possui múltiplas dimensões, de forma que a satisfação do todo precisa ser vivenciada em partes. Há o Brennand das pinturas, há o Brennand das esculturas, há o Brennand da armaria, há o Brennand barroco, há o Brennand medieval, há o Brennand moderno, há o Brennand pop, há a capela e a biblioteca do Brennand, há os jardins e o lago do Brennand.
É um espaço caleidoscópico, nossa visão precisa separar a sinfonia mahleriana visual que o preenche. O olhar deve funcionar como um ouvido demarcando as colagens musicais em Mahler.
O quadro em questão é esse:
Après le bain, Depois do banho, de 1894.
Ou, em arquivo da internet, com melhor resolução:
A idealização para a busca da expressão perfeita do corpo humano, tão marcante no artista, e que sempre é o principal motivo dos ataques dos seus detratores, encontra nessa tela aquela preocupada indolência característica da satisfação de um prazer corporal que sempre emana de suas figuras.
Contextualizando, nesse período, o impressionismo já demarcava novos rumos na arte, abandonando o figurativismo realista ou idealista, buscava-se o efeito da luz e da cor em pinceladas soltas, mais livres, a preferência por cenas da natureza, por vezes sem qualquer figura humana, ou mesmo quando esta está presente, não está retratada realisticamente.
A natureza em si para o impressionista também não era a base de seu interesse. O movimento provocado pela luz na natureza, em superfícies aquáticas, suas sugestões, por exemplo, era.
E Bouguereau se importa com isso? Não.
A natureza é secundária em suas telas, e não está lá por conta de uma ilusão de ótica impressionista, está porque precisa ser cenário para o mais importante, a figura humana idealizada, já negada por seu tempo.
Em um momento como o pintado por Bouguereau, sua época se preocuparia com a luz no lago, e não com o corpo pós-banho da banhista.
A perspectiva do pintor portanto vai contra a tendência mais inovadora de seu período.
A arte de Bouguereau ainda importa?
Primeiramente, a beleza importa.
Depois do banho e a arte de Bouguereau de maneira geral são os últimos momentos de uma arte que comunica diretamente ao espírito, sem intermédio de uma compreensão artificiosamente preestabelecida, tanto o prazer estético quando um prazer sensível.
A corporeidade, para a sensibilidade moderna, excessivamente perfeita, pode continuar chocando hoje, porém o que se pode notar e deve ser apreciado, é o lugar maior em que o pintor põe a figura humana, o centro de sua arte.
As guerras mundiais e tantos outros conflitos do século XX colocaram em xeque essa percepção. Todavia, se há ainda espaço para pensarmos a humanidade nesse tempo presente, é mister que nos voltemos a uma valorização, mais consciente, lógico, da importância humana para a vida, a vida com todas as suas delícias.
O elegante ócio de Bouguereau é um convite, uma porta aberta, para redescobrirmos que a maior criação da natureza é o ser humano.