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Bovarismo de Nietzsche?

Ricardo Piglia, escritor argentino, relaciona um fato da vida de Nietzsche com uma cena de Dostoiévski, e “viaja” em uma interpretação pessoal do eterno retorno do filósofo.

*Ricardo Piglia

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Segunda-feira.

Uma das cenas mais famosas da história da filosofia é o efeito do poder da literatura. A comovente situação em que Nietzsche, vendo como um cocheiro castigava brutalmente um cavalo caído, abraça o pescoço do animal chorando e o beija. Foi em Turim, no dia 3 de janeiro de 1888, e essa data marca, de certo modo, o fim da sua filosofia: com esse fato começa a chamada loucura de Nietzsche, que, como o suicídio de Sócrates, é um acontecimento inesquecível na história da razão ocidental. O incrível é que a cena é uma repetição literal de uma situação de Crime e Castigo de Dostoiévski (parte I, capítulo 5) em que Raskólnikov sonha com alguns camponeses bêbados que espancam um cavalo até a morte. Dominado pela compaixão, Raskolnikov abraça o pescoço do animal caído e o beija. Ninguém parece ter notado o bovarismo de Nietzsche que repete uma cena lida. (A teoria do Eterno Retorno pode ser vista como uma descrição do efeito de falsa memória que a leitura produz).

Ricardo Piglia

Formas Curtas

 

James Tissot, Young Lady in a Boat, 1870

 

O escritor