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Brasil teve ‘Primavera cultural’

Sob um período politicamente considerado ‘de exceção’, o livro e a literatura brasileira histórica e moderna mereceram atenção especial e pela primeira vez em cinquenta obras do Modernismo se tornaram acessíveis a preços módicos. No Brasil Governos Militares investiram em Cultura de qualidade.

*Franklin Jorge

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Sob o Governo Militar, a Cultura Brasileira ganhou um grande impulso com a reedições de obras referenciais já há muito esgotadas, desconhecidas ou inacessíveis, por sua raridade, às novas gerações, iniciativa descurada por todos os demais governos anteriores, aproximando o passado do presente. Pudemos ler autores canônicos ou basilares da nossa formação cultural. Para isto se criou o Instituto Nacional do Livro que reuniu em torno de Maria Alice Barroso, grandes escritores de projeção que cuidavam de sua política editorial. Zila Mamede representou o Rio Grande do Norte nesse grupo. O livro passou a ser subsidiado, tornando-se, materialmente, de valor insignificante ou em sintonia com a realidade econômica dos brasileiros. cinquenta anos depois da Semana de Arte Moderna, publicavam-se obras representativas de autores daquele período histórico e obras que difundiam expoentes das Artes Plásticas entre nós.

No que diz respeito ao Rio Grande do Norte, nessa época publicaram-se os dois volumes das Canções dos barqueiros do Rio São Francisco, de Oswaldo de Souza, compositor e pianista que havia anos trabalhara com Mario de Andrade na formação do Embu das Artes, em São Paulo, chamado de volta ao RN pelo Governador Aluizio Alves, teve grande prestigio como concertista nas décadas de 1920 e 1930, autor também de alentada pesquisa sobre a Modinha que consumiu grande parte de sua vida, uma obra extraordinária que desapareceu misteriosamente com a sua morte, em sua casa à Rua do Motor.

Pela primeira vez, através de bibliotecas gerenciadas por projetos do Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, podemos ler ou reler autores como Fernando Freyre, Luís da Câmara Cascudo, Lucio Cardoso, Cornélio Penna, Rachel de Queiroz, Rubem Braga, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Adalgisa Nery, Fernando Sabino, Bernardo Élis, José Condé, Guimarães Rosa, Machado de Assis,  entre muitos outros cuja obra se achavam restritas e inacessíveis àqueles que queriam ler, como os jovens que podiam adquirir o livro subsidiado por um valor irrisório. Adquiri nessa época uma biblioteca de obras que eu desejava ler e estavam esgotadas e inacessíveis. Comprava-as em uma lojinha que parecia mais um deposito, na rua Felipe Camarão com a Coronel Cascudo, na Cidade Alta. Lá, também, vendia-se material escolar a preços que estavam ao alcance de todos.

Foi lá que uma coleção que publicava antologias de autores das diversas regiões e, pela primeira vez, autores que tiveram relevância em movimentos históricos, como o Modernos de 1922 e alguns autores como o potiguar João Peregrino Junior, que conhecíamos apenas de ouvir falar, apesar da importância de sua obra que contribuiu em sua época para engrandecer a Literatura produzida na Amazônia, uma cultura que passou a ser tratada com respeito através de seus e valores. Dessa época ainda guardo os dois volumes do Moronguetá, subintitulado de Um Decameron indígena, reunião de contos que se podiam igualar, por sua variedade e laivos de erotismo à celebre obra italiana remanescente do Renascimento.

Essa época, porém, graças ao poderoso e constante marketing duma Imprensa manipulada por interesses ideológicos de esquerda, ficou conhecida como os “anos de chumbo’’, quando a rigor foram anos fecundos para a cultura, embora alguns autores e artistas tenham sido reprimidos em seu esforço e contribuição a instauração de um regime comunista, inspirado por Cuba, referência para políticos e teóricos influentes. O Teatro, o Cinema e a Música tiveram, de repente, um surto criativo, apesar da Censura e do Festival de Besteira que assolou o País. A meu ver, adolescente então ávido de saber e de Conhecimento, foram anos que correspondem a uma manifestação de Renascimento Cultural entre nós, ou, para uso duma expressão por demais conhecida no mundo civilizado, nossa primeira Primavera cultural.

FOTO Cena de Roda Viva, peça de Chico Buarque de Holanda encenada por José Celso Martinez Correia, censurada por atentar contra o Governo Militar.