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Balzac e as desilusões humanas

Escritor e historiador paraibano leva-nos a mergulhar no surgimento e corrupção da imprensa descrita em Ilusões perdidas.

*Bruno Gaudêncio -Escritor, poeta, historiador paraibano

A finalidade deste Ensaio será compreender como o jornalismo foi tematizado no romance Ilusões Perdidas, do escritor francês Honoré de Balzac, trazendo um panorama das relações que possibilitaram a construção de um “discurso maldito” em relação a prática jornalística no na primeira metade do século XIX. O texto é dividido em quatro partes que discutem aspectos que vão desde as características da obra Balzaquiana até as chamadas condições de possibilidades de escrita.

Muitos são os admiradores da obra Balzaquiana justamente pelo seu realismo. Não é difícil encontrar em antologias ou diários de leituras elogios enfatizando a extrema beleza de suas alusões e a clara descrição de seus personagens. Segundo Perrone (2000) Balzac viveu num período de agitação política e grandes transformações sociais, “registrando tudo ‘ao vivo’ em sua obra, como um super-repórter. Diferentemente de seus contemporâneos românticos, ele não buscou nenhuma evasão temporal ou especial, mas fez do que via e vivia a matéria de seus romances. (Perrone, 2000, p.47)”. E mais à frente a estudiosa relata “nascido no ano do 18 Brumário (ascensão de Napoleão ao poder), e falecido logo após a Revolução de 1848, ele transformou o império, a restauração da monarquia e a revolução de 1830, que efetuou um pacto entre a monarquia formal e a burguesia reinante de fato.” (idem)

Este lado político da história da França durante a sua trajetória está muito presente em seus escritos, principalmente em seus romances de natureza histórica, onde personagens verdadeiros contracenavam com personagens criados por sua imaginação. Aliás, seus personagens são o seu forte enquanto escritor. Sabe-se que Balzac criou, só em sua Comédia Humana, cerca de 30.000 personagens, distribuídas em vários contos, novelas e romances.

Um aspecto destacado por Perrone (2000) é o lado maniqueísta de seus personagens. Segunda a autora a imensa maioria das histórias do escritor francês termina com a vitória dos maus, dos mais fortes e mais espertos, e a consequente derrota dos personagens bons e honestos. Pristeley também se refere a este aspecto: “Elas tendem a ser inteiramente boas ou inteiramente más, os bons tendem a ser tolos, e se deixam mui facilmente sacrificar, e os maus tendem a tornarem-se deliberadamente perversas, cheirando um pouco a enxofre. As moças virtuosas geralmente não têm caráter e são como as heroínas do começo do cinema fotografadas através da gaze. Os jovens são os melhores, principalmente se forem ambiciosos, mas incertos, meio inteligentes, meio tolos. Mas melhores de todos são os de meia idades e velhacos, de ambos os sexos, que são vitimas de algum monstruoso apetite, de alguma paixão dominante, alguma mania, por que o romântico unilateral em Balzac tem uma simpatia instintiva para com tais personagens, embora possa fingir desaprova-los e, assim, cria maior que o natural e empresta-lhes uma terrível energia.” (Pristeley,1968, p.158).

Estes fatores característicos da obra Balzaquiana demonstram certos limites de sua produção literária, entretanto, não diminuem sua força criativa e estética ao construir personagens complexos (mesmo com todo o maniqueísmo presente), enfatizando os princípios  que são inerentes as próprias relações humanas, visto que suas criações personificam, as contradições de caráter, os idealismos, as perfídias, os contrastes de sentimentos nos homens. Para Perrone (2000, p.49/50) “Ninguém põe em dúvida a afirmação de Marx e Engels de que ele viu e fixou, melhor do que ninguém, a sociedade resultante da Revolução Francesa, a cidade grande na quais os indivíduos travariam uma luta feroz e amoral sobrevivência, a passagem do mundo rural, para o mundo industrializado, o novo poder constituído do jornalismo, o naufrago dos valores do Ancién Regime e o predomínio absoluto do dinheiro na nova sociedade Burguesa.”

O que a crítica tem revisto nestes últimos tempos na verdade são os limites do famoso realismo de Balzac. Nos dias atuais uma noção que se tem de parte da crítica é que o realismo balzaquiano não é simplesmente documental, ou seja, um realismo de representação e reflexo, mas um realismo que intui as razões ocultas dos fatos, em uma certeza de pintor expressionista, que exagera nos traços para arrancar a possível verdade íntima dos seres. (Perrone, 2000, p.50).

Dos romances de Balzac Ilusões Perdidas tem um lugar privilegiado em sua Comédia Humana. Escrito entre os anos de 1835 e 1843, o romance foi dividido em três partes, publicadas sucessivamente nos anos de 1836 (intitulada “os dois poetas”), 1839 (“Um Grande homem da província em Paris”) e 1843 (“os sofrimentos do inventor”). A obra trata dos esplendores e misérias de um poeta de província, Lucien de Rubempré, que faz carreira em Paris, obtendo sucesso fulgurante e meteórico quando entra para o jornalismo, e caindo em desgraça em boa parte pelos próprios poderes ambivalentes da imprensa.

Em toda a primeira parte, batizada de “Dois poetas”, Balzac descreve a vida na pacata Angoulême, colocando sua lente de aumento na vida de um sonhador Lucien que almeja fazer sucesso em Paris como poeta; de seu melhor amigo, David Séchard, que passa a tocar a ultrapassada tipografia de seu pai (um velho avarento, que não dá ponto sem nó); de Ève, irmã de Lucien, por quem David se apaixona; e o núcleo aristocrático comandado pela senhora de Bargeton, que será amante de Lucien e, como ele, sonha com os esplendores da capital. Na verdade Luciano de Rubempré é uma das criações mais completas de Balzac.

Pinta um indivíduo caracteristicamente romântico. Encarna um tipo universal do talento provinciano seduzido pelo brilho da capital, mas também é a personagem característica de determinada sociedade e época. Na segunda parte, “Um grande homem de província em Paris”, ele pinta (para usar uma expressão do próprio autor) os costumes íntimos da vida parisiense, com a chegada da senhora de Bargeton e Lucién. Nesse capítulo, o maior do livro, o escritor flagra com ironia a vida cultural da grande cidade, principalmente o meio corrompido do jornalismo e do espetáculo teatral. Na última parte, “Os sofrimentos do inventor”, Balzac volta-se ao cotidiano de Angoulême, retratando as dificuldades de David Séchard com sua gráfica e o retorno de Lucien, após a experiência vivida na metrópole.

Segundo Rónai (1978), que assina a nota introdutória da primeira tradução do Brasil, “A parte mais importante do livro é o segundo episódio, as vicissitudes de Luciano em Paris, onde ele passa por uma serie de ambientes. O dos jornalistas é aquele que leva Balzac a usar traços mais incisivos e as cores mais fortes, e lhe transforma as paginas numa sátira virulenta.” (Rónai, 1978, p.9) . O romance focaliza o jornal em estado nascente, e traça uma espécie de anatomia financeira da indústria editorial, bem como do fenômeno da grande imprensa e das ficções de massas. Segundo Wisnik (1994, p.321), em seu brilhante estudo sobre a obra, Ilusões Perdidas “flagra uma série de situações típicas ou situações-limite da vida jornalística que, surpreendidas em seu impacto originário, matem uma extraordinária força analítica.(idem)).

Rónai (1971) define na nota introdutória “Os costumes do jornal constituem um desses assuntos imensos que exigem mais de um livro e de um prefácio. Aqui o autor pintou os começos da doença, que atingiu nos dias de hoje o seu complexo desenvolvimento. Em 1821, o jornal encontrava-se em suas vestes de inocência comparado com o que é em 1839. Se, porém, o autor não pode abraçar a chaga em toda a extensão, te-la-á, pelo menos, enfrentado sem medo.”

Além dos jornalistas, chamados de “negociantes de frases” e “espadachins das idéias e das reputações” há uma descrição rigorosa no livro de vários tipos de livreiros, contratos, tráficos de influência, sistemas de benesses e modos de oscilação dos preços do prestígio pessoal, da folha de papel, dos gêneros literários e das posições políticas. Entretanto a imprensa parece ser o assunto principal e tratado de uma forma extremante crítica e sarcástica, sendo Balzac se ocupando largamente durante a narrativa dos tráficos de influencia e da corrupção. É como o próprio Rónai (1978, p.9) se referiu “…há nessa atitude uma convicção quase mística de que o jornalismo é uma verdadeira doença, que infecciona fortemente todos os que nele se metem”.

Referências

PERRANE, Leyla Moíses. Atualidade de Balzac. In: Inútil Poesia e outros ensaios breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. P.45-54.

PRISTLEY, J.B. O Movimento Romântico na França. IN: A Literatura e o Homem Ocidental. Rio de Janeiro: Livraria acadêmica, 19968. P. 150-161.

RÓNAI, Paulo. Nota introdutória. In: BALZAC, Honoré de. Ilusões Perdidas. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

[Continua amanhã…]

 

Em destaque, a casa de Balzac em Paris; acima, o escritor, viciado em café.