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Café da manhã

Bruna aguardava, com a sinistra paciência dos jacarés, uma alma inocente que lhe trouxesse café na cama.

*Vitor Bertini

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Bruna aguardava, com a sinistra paciência dos jacarés, uma alma inocente que lhe trouxesse café na cama.

Lembrou que Marcelo provavelmente já havia saído para trabalhar e que ela havia dispensado os serviços da Constanza. Lembrou também que não existia nenhuma Constanza. Pelo menos não a seu serviço.

Resistiu. Os jacarés são assim, couro duro. É preciso honrar a natureza e esperar. Nenhum movimento em vão.

Cheiro de café é mais ou menos como uma sexta-feira: anuncia algo que nunca será, exatamente, como as expectativas geradas – mas é, em si, uma maravilha. Bruna não sabia onde havia lido isto. Sua memória era ótima. Faltava o café.

Olhando reto para a frente, aos pés da cama, sobre a herança da primeira viuvez da tia Norma – “filha, não é um banco, é um lindo récamier”, um amontoado de roupas brancas e sua bolsa mais vistosa.

Olhando para o lado, Bruna não via sombra, nem o menor sinal de movimento, na luz que vazava por baixo da porta do quarto. Melhor não mexer a cabeça.

Na penumbra do dormitório, a rua fazia mais silêncio do que o normal; o zumbido nos ouvidos aumentava de olhos fechados, os pés latejavam e o incômodo no pescoço revelou-se um colar.

Dona Nair, a vizinha de cima, foi ao banheiro. Lamentável. Protegendo-se, Bruna puxou o lençol à altura dos olhos.

Jacarés hibernam quatro meses. Bruna, sem café, com dores generalizadas e sem conseguir achar seu celular, começou a recordar o que já sabia: a festa de réveillon na casa da tia Norma.

Convidados, muitos convidados. Pessoas elegantes, bonitas, sinceras. Outras, só pessoas. Música, muita dança. Comida e bebida. Muita bebida.

Ano passado tia Norma havia cancelado, em nome da saúde de todos, as comemorações. Este ano, não. Este ano teve festa, e disseram que ia ser com o valor de duas. Muita gente – meu Deus, que coisa boa. Abraços e beijos. Muitos.

Tudo ia bem demais, até a biblioteca já rodava, quando alguém gritou:

– Aproveitem, no próximo réveillon pode ter isolamento social. De novo!
– Então, um com o valor de três! – Foi a resposta que se ouviu.

A festa ficou ainda melhor.

Jacaré tem vida longa e boa memória. Era o primeiro dia de janeiro do novo ano. Feriado.

No caminho da cozinha, Bruna achou seus sapatos e o celular já sem bateria. Lembrou que era solteira e que o Marcelo tinha viajado, para não voltar, havia três anos. Precisava café.

– Vai ser um longo ano.

 

Olá.

Ano Novo – aprecie sem moderação.

Com faunas, frases, muitos goles, queijos e beijos, boa leitura e boas festas