*Franklin Jorge
Morando em Porto Velho e trabalhando para o Governo do Estado, por acaso deparei-me com uma noticias que conectava o jornalista e publicitário Caio Aurélio Domingues com um grupo de artistas e escritores de grande projeção relacionado com figuras como o poeta Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Jorge Amado, Lúcio Cardoso, Clarice Lispector, Alceu de Amoroso Lima, Adalgisa Nery, Pedro Nava, Maura Lopes Cançado, Guignard, Lasar Segall, Cheschiatti, Bruno Giorgi, entre outros, além de políticos e ex-presidentes como Juscelino Kubistchek e João Goulart, despertando em mim o desejo de conhece-lo de perto e de fazer-me seu amigo e eventualmente recolher informações em primeira mão sobre uma época de ouro da vida brasileira.
Homem de grande refinamento e cultura e um dos expoentes da Publicidade e da Propaganda no Brasil, escrevi-lhe, certo de que dele obteria informações privilegiadas que satisfariam a minha curiosidade intelectual e enriqueceriam a minha pesquisa sobre um período que nos fazia crer que o Brasil pertencia a um primeiro mundo de ideias que balizariam um futuro promissor para todos.
Para minha surpresa, ele respondeu prontamente à carta que lhe escrevera em grande expectativa. E, não apenas a respondeu, mostrou-se vivamente interessado por minhas ideias e projetos, dispondo-se a ajudar-me para além do que eu esperara, dispondo-se inclusive a financiar-me e me aproximar de ilustres figuras de seu universo humano, afetivo e social que podiam ser úteis aos meus propósitos que a seu ver faziam de mim um jovem precocemente privilegiado pela vontade de inscrever o meu nome na história da inteligência e da cultura brasileira de meu tempo. Confessou-me que meu entusiasmo de repente o contaminara, infundindo-lhe uma fresca energia, ao fazê-lo voltar a um tempo de sua vida há muito perdido.
Homem culto e refinado, sabedor de coisas que morreriam com ele, fez-se meu amigo e informante privilegiado de questões que assoberbavam então meus pensamentos e faziam-me vibrar com descobertas acerca da história e seus personagens, alguns, como o escritor francês Georges Bernanos, de cujo filho Michel, em sua juventude, fora amigo e dele soubera muitas histórias de sua vida de asilado em uma fazenda no Norte de Minas Gerais a que dera o nome de Cruz das Almas, certamente uma alusão ao seu Catolicismo, lugar de peregrinação de intelectuais católicos guiados por Alceu de Amoroso Lima, da Academia Brasileira de Letras e do Centro Dom Vital .
Falou-me, nesse breve e intenso convívio epistolar sobre um primo seu que fora importante integrante do círculo mais íntimo do escritor e artista plástico Ismael Nery, que apesar de sua reduzida obra em quantidade, pois viveu somente 33 anos, tornou-se o provável introdutor e mais conhecido representante da escola surrealista no Brasil. Esse seu primo Fernando Carneiro, rapaz rico e bem relacionado com a elite artística e pensante do Rio de Janeiro de seu tempo, empolgava-o com as histórias que lhe contava sobre Ismael Nery [Belém, 1900-1934], Bernanos e todas essas cabeças pensantes que me davam vontade de ter-me beneficiado de seu convívio.
Ismael era católico e tivera a premonição de que morreria numa Sexta-feira da Paixão, aos 33 anos, contou-me Caio Domingues. Em 1934, agravando-se o seu estado de saúde, após uma crise que culminou com uma grande hemoptise, seus amigos, dentre os quais Murilo Mendes e o primo de meu informante, levaram-no para internamento em um sanatório em Correias, no interior do Rio. Dias depois adveio-lhe a morte numa Sexta-feira da Paixão. Tinha a idade de Cristo.
