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Carta a Miss Dickinson

Anônimo de Amherst escreve àquela que se tornaria postumamente a maior poetisa norte-americana do século dezenove, aconselhando-a a trocar a poesia por predas domesticas.

*Cleber Pacheco

Dear miss Emily Dickinson,

Esta breve missiva tem como propósito realizar um afetuoso e sincero comentário a respeito do seu poema I taste a liquor never brewed ou como quer que se chame, publicado no jornal Springfield Republican. Tive a infelicidade de lê-lo. E aconselho-a a desistir de qualquer tentativa de continuar escrevendo poesia, pois a senhorita já comprovou com seu texto que não tem a mínima ideia do significado desta palavra e, portanto, nunca terá futuro como poeta. Ninguém lerá os seus escritos, seus versos estapafúrdios.

Se algum dia publicasse um livro, jamais alguém perderia seu tempo em comprá-lo, muito menos efetuar qualquer tentativa de leitura. Para o seu próprio bem e para evitar futuros desgostos, volte a sua dedicação às prendas domésticas: as costuras, o bordado, alguma aquarelazinha, talvez a única arte que lhe convém: a culinária.

Para ser poeta é preciso inteligência, inspiração, sensibilidade, gênio. Isso é coisa para poucos. Criar metáforas, imagens, ter originalidade não é algo fácil, requer talento. Apenas alguém com experiência, vasta erudição e conhecimento da vida e do mundo tem condições de engendrar tal Arte. Uma jovenzinha que nunca saiu de sua casa na província simplesmente não tem nada a dizer.

Lembre-se, não tenho nenhuma intenção de ofendê-la, muito antes pelo contrário, só desejo o melhor e faço votos que uma dia possa encontrar uma tarefa à sua altura e encontrar o seu caminho neste mundo, tornando-se uma pessoa de algum valor, plena de felicidade e paz. Cordialmente,

De um leitor de Amherst.

Retrato de Emily Dickinson por Cândido Portinari, 1958.