*Prezado Mr. Kipling.
Como escrever a um escritor? Como escrever ao maior escritor de todo o Império Britânico? Tais questões torturaram-me durante muito tempo, antes de eu me decidir a finalmente criar coragem e redigir estas palavras. Havia ainda um agravante: o fato de ser uma simples criada a autora a tentar tamanho empreendimento. Algo encorajou-me. Aliás, duas coisas serviram como uma espécie de, com o perdão da palavra, fermento para o meu desejo de dizer-lhe o que vinha, mais do que em minha mente, em meu coração. Primeiro, o fato de, por um breve período, ter-lhe servido.
Foi pouco o tempo, talvez, e é provável que sequer lembre de mim, pouco importa, o principal é que tive a honra de conhecê-lo pessoalmente, algo jamais imaginado por mim. Em segundo lugar, e não menos importante, é o fato de, após ler e reler tantas vezes os seus livros, ter aprendido, ao menos um pouquinho, a escrever melhor. Ousadia? Sim, de fato. Pergunto-me: chegará ele a 25 receber esta carta e, uma vez recebendo, a lerá? Isso não me impede de escrever, porém. Poderá, é possível, impedir-me de enviá-la. E então prossigo a minha pobre escrita certa de que ao menos coloco no papel algo com verdadeira importância e significado não só para mim, pois o assunto abordado, na verdade, diz-lhe respeito. Trata-se da lastimável perda do seu filho.
Não, eu não fui sua ama-de-leite, nem ajudei a criá-lo, nem o vi crescer. Já havia partido ele para o seu triste destino quando aí estive, de modo que nunca o encontrei. Todavia, dele ouvi falar o suficiente para estimá-lo. E sinto a dor da sua perda. Não, nunca tive filhos. Moro sozinha num quartinho dos fundos enquanto procuro por uma família de cuja aprovação aguardo a resposta daqui a dois dias. Por certo terei muito trabalho e não haverá tempo para mais nada, sequer para pensar. Por isso mesmo aproveito a oportunidade, com o intuito de expressar toda (estou sendo muito ousada) a minha solidariedade.
Talvez, se eu tivesse família, pudesse avaliar melhor o real significado de perder um filho e fosse capaz de encontrar as palavras adequadas e corretas para a ocasião ou ao menos, aquela palavra capaz de chegar à sua alma. Compreendo ser esta uma tarefa impossível e uma carta inútil, portanto. Como alguém feito eu conseguiria sequer imaginar toda a extensão da tragédia que o abateu? Como alguém feito eu poderia conceber tamanha dor? Só se eu tivesse a sua imaginação, o seu talento, a sua capacidade de invenção, de clareza, de perspicácia, a sua grandeza. Isso, sabemos, também me é vedado. Resta o parco intuito de tentar fazer-me entendi[1]da, no que, acredito, igualmente tenha fracassado, obtendo simplesmente, com o resultado, a obrigação e o bom senso de solicitar minhas sinceras desculpas.
Cordialmente.
Mary Stoneheart.