*Cleber Pacheco
Prezado Sr. Rainer Maria Rilke,
Certa vez, em nossa já longa correspondência a respeito da poesia, escreveu-me: Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, – ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Foi o que tentei fazer durante esses cinco anos de contato, embora um contato a distância. Procurei mergulhar em mim mesmo, no mais profundo, no mais recôndito, no abissal e na estranheza, no âmago das trevas e da claridade. Fui beber na fonte do meu ser e ali encontrei apenas limo. Fartei-me do seu visgo, da náusea dele vinda, vasculhando inclusive o amargor.
Onde a beleza de tudo isso? Faltou-me. Tornar-me-ia um Baudelaire, imerso irremediavelmente no spleen, no mórbido. Horrorizei-me, recuei. Não havia ali matéria para os meus escritos. A seguir, voltei-me para a etapa posterior de sua indicação: Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Mais fácil que ser Adão é ser Caim. Como reinaugurar o mundo, nomeá-lo? Como destrinchá-lo e desvendar os seus meandros, o seu tecido? Se eu disse casa, árvore, o que lhes acrescento? Não saberia decifrar o invisível. Sequer ao visível consigo definir. Mesmo o mais simples é incomensurável. Até o banal tem seu encanto. No amargo, há doçura.
No silêncio, uma destreza que perpetuamente nos desarma. Lembro as suas palavras: Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Pois bem, não é esta a questão, como bem pode perceber. O excesso de riqueza das coisas depaupera-me e, uma vez mendigo, calo-me, encolhido e assustado.
Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade, escreveu-me. São tantas as minhas necessidades que me afogo nelas, tornando inviável um só verso. Por onde começar? Ou seria apenas o bastardo desejo a iludir-me com suas miragens de bruma? 38 Por fim obtive apenas exatamente o contrário do seu conselho: Não escreva poesias de amor, quando poesia de amor foi justo o que consegui escrever. Usando as formas usuais e excessivamente comuns, os pássaros, as rosas, os suspiros, dediquei-me a páginas e páginas, a Cupido, a Vênus, aos tormentos, às dúvidas que assolam os apaixonados. E tantos foram os poetas a usar estes mesmíssimos e tão pouco originais expedientes e ciente de não conseguir parar de expelir tais banalidades e mediocridades por todos os poros e ainda de descobrir-me um completo incapaz de seguir por outro caminho, acabei por tomar uma decisão. Optei, embora, não seja realmente uma opção e mais um fardo, um fado, por prosseguir com meus ridículos poemas de amor e abandonar em definitivo nossa correspondência. Assim sendo, não sem pesar, despeço-me, dando-lhe um definitivo Adeus.
Franz Xavier Kappus.