*Renato de Medeiros Jota
A preocupação de todo movimento cultural está concentrada na busca de renovação de sua mídia e na forma como essa enfrentará os desafios futuros sem perder conexão com o passado. Esse difícil desafio foi enfrentado por diversos meios de comunicação cultural como a literatura, cinema, pintura e demais expressões artísticas. Com os quadrinhos ou novelas gráficas não é diferente. Contudo o desafio é maior, já que se formos nos remeter a suas raízes, a trajetória é longa em comparação a sua admissão enquanto arte relevante e recente. Mas não é do nosso interesse aqui discutir esse aspecto da relevância atual ou não dos quadrinhos enquanto mídia cultural. Mesmo considerando essa aparente contradição é ela o que torna possível o interesse por sua morfologia, a maneira como se expressa e adquire sua inovação é nesse último aspecto o foco de nosso interesse em discutir. Principalmente no que diz respeito aos quadrinhos potiguares e suas criações.
Se existe um momento que possamos demarcar como relevante para o surgimento de novos autores, isso aconteceu através da iniciativa 1ª primeira edição elaborada por Luis Elson (foto ao lado), que objetivando estimular o surgimento e resgate de novos e antigos talentos, possibilitou através de seu projeto a produção de hqs em formatinho, para divulgação e visando estimular a publicação local. A iniciativa de Elson foi bem recebida e tanto novos como antigos autores surgiram, como Wendell Cavalcante, Jamal Singh, Milena Azevedo, Carlos Alberto, Leander Moura, Gabriel Andrade, Dickson Tavares, Deuslir, Wagner Oliveira e muitos outros. Esse primeiro impulso, promovido por Elson foi suficiente para estimular o surgimento de novos autores de quadrinhos na cena local que viriam a participar de eventos nacionais como o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), CCEXP de São Paulo (Comic Com Experience de São Paulo) e eventos Interestaduais como HQPB (Historias em Quadrinhos da Paraíba). Autores como Rodrigo Xavier, Leander Moura, Milena Azevedo, Wendell Cavalcante, Jamal Sigh e muitos outros passaram a serem mencionados em blogs especializados em quadrinhos e em jornais de outros Estados ganhando notoriedade por sua produção e relevância enquanto artistas.
Essa primeira onda de renovação foi acompanhada de uma união entre autores mais experientes e jovens artistas das hqs. Muito dessas obras refletem a tendência adulta que já vinha sendo desenvolvida nos quadrinhos em geral desde as décadas de 70 e 80 em obras como Sargento Rock, As inimigo, Homem Aranha, X-men e depois intensificada e por não dizer radicalizada em outras obras seminais como Wachtmen, Cavaleiro das Trevas, Monstro do Pantano, Sandman, e a linha Vertigo e Marvel Knights e Max, que representam temáticas mais sombrias e profundas no roteiro e tema. Entretanto, mesmo seguindo a proposta de abordar assuntos sérios e filosóficos, a proposta dos novos autores potiguares, especialmente de Natal/RN, era evitar temas como super-heróis e investir em outras formas de histórias como terror, cotidiano, ficção cientifica, aventura e fantasia, tendo foco sempre que possível nossa cultura e folclore. Essa tendência também continuou com a segunda onda (se é que podemos dividir assim a história das hqs potiguares) de novos autores, que sentindo o momento propicio para divulgar sua produção começaram a participar de eventos e produzir material original e bastante rico em imaginação e dinâmica estabelecido nas expressões dos traços com o horizonte nordestino.
Esses novos autores, diferentes da mistura de autores da primeira onda, que era uma junção de novos e experientes autores. Eram novos na produção das hqs, aprendendo com muito esforço e estudo na prática, mas que contava também com o apoio dos autores da primeira onda, frutos do projeto 1ª Edição capitaneada por Luis Elson. Esse esforço de autores transformou a cena local de Natal numa nova manifestação dos quadrinhos e estimulo constante para novos produtores. Chegando a ser bastante elogiado essa interação e produção estadual, em outros estados como Paraíba, Pernambuco, Ceara e outros locais do nordeste que segundo dizem “não possui uma união e produção tão frenquente quanto os quadrinistas potiguares em geral”. Pensamento bastante pertinente destacar aqui essa declaração da produção frenquente dos autores de quadrinhos do RN ser admirado por Estados de fora mais do que incentivado pelos mecanismo da política local, mas na cultural em geral é assim aqui, uma pena! Talvez, com a ascensão das hqs no cinema e sua relevância recente no meio cultural, mude essas perspectiva.
Outra forma de contribuição para o estimulo de novos produtores de quadrinhos foram a criação de eventos que incentivavam a divulgação desses novos talentos das hqs e até mesmo foram responsáveis por resgatar antigos nomes da cena local dos quadrinhos. Eventos como o Fliq, surgido dentro da Cientec evento promovido pela Universidade do Rio grande do Norte, possibilitou revelar novos criadores de fanzines e hqs no Estado do RN. Talentos mais recentes dos quadrinhos surgiram na cena das hqs a partir desse evento. Nome como Gabriel Dantas, Marcelo Janu, Thayná Almeida, Joseniz Guimarães, Fellipe Gabryel, Thayse Nascimento, Ana Luisa (ilustralu), Aureliano, Jorake, Esquilou, Jadiel, Jadson entre outros, se tornaram produtores relevantes de fanzines e hqs.
Além disso, no percurso do desenvolvimento das hqs em Natal/RN, parcerias que contribuíram para transformar o quadrinho em arte e despertar o interesse de novos leitores, como a interação feita entre literatura e hq, encontrada em Maldito Sertão do escritor Márcio Benjamin e Lovenomicon em parceria com os artistas do Coletivo Quadro9. Esta última obra, produto feito a partir da adaptação do universo do escritor de Providence Lovecraft, Estados Unidos, para terras tupiniquim, criou uma obra impar e impactante em termos de terror nacional. Tal obra foi reconhecida por grande parte do pais, assim como o Maldito Sertão vem conquistando elogios no decorrer do tempo e continua sendo elogiada pelos leitores novos e antigos. Como podemos notar, existem além dessas duas obras muitas outras que poderíamos comentar horas sem fim, mas o fato é que o quadrinho potiguar continua com folego e tem muito a surpreender o leitor.
Devemos considerar ainda, as importantes novidades que vieram acompanhadas com a evolução das hqs potiguares relacionada a seu “amadurecimento” enquanto arte. A característica política e social, tornou-se tema frequente nas publicações de quadrinhos dos autores potiguares. Em suas páginas podemos encontrar discussões bastante atuais como discriminação, feminismo, machismo, discussões sobre a violência, o perigo nuclear, problemas ecológicos, etc. Os quadrinhos tornaram-se um fenômeno de relevância para a cultura e vem contribuindo para formar um tipo de arte quadrinistica diferente no país que vem adquirindo jeito e maneiras totalmente brasileiras.
Importante notar o desdobrar dessas duas ondas de incentivo ao surgimento de novos autores de hqs que resultaram também na formação de grupos de quadrinistas centrados em um selo, como por exemplo, o surgimento do grupo de quadrinistas Quadro9. Esse grupo é formado pelos excelentes quadrinistas Carlos Alberto, Leandro Moura, Cristiane Moura, Marcos Garcia, Rodrigo Xavier, Mario Rasec, Renato de Medeiros Jota. O objetivo desse grupo era reunir quadrinistas que desejavam fugir do tema frequente na qual abordava assuntos como super-heróis e relatos históricos sobre temas nordestinos como era feito no passado. O foco desses autores do Quadro9 em sua produção era contar histórias que tratassem de temas como ficção cientifica, terror, fantasia, cotidiano e demais assuntos, sempre tendo como horizonte o universo nordestino e seu folclore. Foi através da colaboração do Quadro9 entre seus membros e com outros autores que veio a ser publicadas obras como Lovenomicon: uma homenagem ao autor de providence, H.P. Lovecraft feita pelo grupo Quadro9, Maldito Sertão do grupo Quadro9, Coletânea de Quadrinhos potiguar de vários autores, Horas Escuras de Leandro Moura, Cidade Asfixiada de Rodrigo Xavier e Renato de Medeiros, Insonho de Leandro Moura e Cristal Moura, Cangaço de Marcos Garcia e Carlos Alberto, Tempestade Mental da dupla Renato de Medeiros e Rodrigo Xavier, Penpengusa de Milena Azevedo e Rodrigo Xavier, Luz nas Trevas de Joseniz Guimarães, Jefferson Dênis e Renato de Medeiros Jota.
Vale salientar que a partir desses movimentos de produção dos produtores de hqs no Estado e, particularmente de Natal, onde se concentra a maior parte da produção do Estado, novos eventos vem surgindo reforçando o poder que os quadrinhos vem demonstrando como influenciador cultural, além de divulgador da produção local. Eventos como a Feira de Quadrinhos, localizado na Rua chamada Beco da Lama no Bairro de Cidade Alta no centro de Natal, evento ocorrido na segunda semana de cada mês. Vem se tornando o foco de atenção do público e principal lugar de concentração e encontro dos admiradores de quadrinhos. Esse evento vem capitaneando grande atenção por parte do público e atraindo turistas de vários estados do nordeste e do país, com o fim de conhecer a cidade e também os artistas de hqs. A peculiaridade da Feira está nessa relação direta entre o produtor do quadrinho e o público consumidor, muitos talentos das hqs, reconhecidas através de suas páginas na internet e mídias sociais como Gabriel Dantas por sua tirinha bife de unicórnio (instagram) e Mário Cesar Rasec pelas tirinhas Os Blacks (instagram) são figuras muito procuradas na Feira, local certo também de encontrar Leandro Moura e Cristal Moura, conhecidos por suas hqs de terror. Também podemos citar os quadrinhistas Wendell Cavalcante e Jamal Sigh pelo ótimo quadrinho Boca do Lixo história maravilhosamente escrita e ilustrada contando sobre o Bairro paulista. Além desses maravilhosos artistas podemos encontrar na feita a autora de quadrinhos Milena Azevedo, pessoa muito conhecida e querida por uma grande quantidade de produtores de quadrinhos nacionais e locais que sempre atrais atenção junto com os demais autores para a feira e sua produção.
Como é um evento frequente, a Feira de Quadrinhos, tornou-se um importante e relevante local de estimulo a produção local de hqs. Artistas em início de carreira, comparece a Feira não só para conhecer os autores que vem trabalhando há algum tempo com hqs alternativas, mas também buscam adquirir contatos e experiência com quem produz. A relevância de um evento assim para quem produz e vive de hq está no contato e no retorno que obtém do público leitor no momento que ele retorna e fala do que leu. Além disso, eventos como a Feira serve também de fonte de renda para os produtores que conseguem o retorno de seu produto em termos de reconhecimento e de comentários sobre a obra. Existem outras coisas que agregam valor as hqs como a venda de bottons, Comission, Poster, Prints de obras originais, Toy art, Scraps, Quadros, e muitas outras coisas que tenha a arte como foco central da produção local. A feira de Quadrinhos vem se tornando aos poucos um local de relevância no cenário de produção local de cultura e sua existência se torna um marco de estimulo e interesse do público. Além de foco de atração turístico e artesanal.
Enfim, devemos esperar novidades dos quadrinistas potiguares e suas produções. O futuro das hqs brasileiras e os novos autores vem com vontade e força criativa de produzir material autoral e independente, dando lastro para a criação e imaginação. Se fosse possível dá um conselho a leitores novos e antigos de hqs, diria para prestar atenção na produção local e mais especificamente independente que vem se destacando cada vez mais no cenário nacional. Fiquemos atentos aos próximos passos dos produtores de hqs potiguar e prestemos atenção a suas histórias.
Renato de Medeiros Jota é pesquisador e historiador dos Quadrinhos no RN.