*Maria das Graças de Menezes Venâncio – Mestre em Administração Pública pela EBAP/FGV. Professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integrante da ALAMP. Trabalhos publicados.
Depois que fiz uns quatro anos todos os anos ia para a casa da minha avó em Florânia (Flores) naquele tempo, antes se chamava Roça do Urubu.
Íamos de carro de praça (táxi) até o Hotel Caiana no Alecrim e de lá até Florânia num misto (caminhão com duas boleias). Quando mamãe chegava lá era uma alegria e para mim muitas expectativas. A casa tinha um corredor comprido de um lado, do outro ficavam os quartos. Minha avó gostava de costurar junto a janela que era bem clara. A primeira sala era grande, uma sala de visitas com três janelas para fora. Do lado de fora, ainda me lembro de uns pés de fícus, onde nos dias de feira alguns moradores do Canaçu, a Fazenda do meu bisavô amarravam os burricos. Há pouco tempo lembrei que chamavam de borregos.
A sala da frente tinha uma mobília simples e um porta-chapéus e acho que guardas chuva. Na parte debaixo minha prima Diva colocava umas redes seus bonecos, todos vestidos como homens. Pois não é que foi predestinada a só ter filhos homens. Um total de quatro. Outros dias ela brincava no jardim ao lado da casa e eu a acompanhava naquele jardim que para mim era tão grande com muitas roseiras.
Lembro muito do cheiro de lamparina à noite, um cheirinho de querosene. Tenho a impressão que se fosse bicho seria um cachorro. Tenho um faro sem igual e identifico cheiros, alguns chegam a mim lembrando aquelas estadias. Tem um cheiro de fogão a lenha. No caso destas férias, lembro de uma rua estreita tipo um beco onde morava uma comadre de vovó chamada Candoca. Também, o cheiro de café, que era uma delícia, mas ainda era proibido para mim. Ah, o cheiro de goiabada era demais. [1]Vovó fazia um doce num tacho grande ajudado por Ana sua fiel escudeira, que depois iria para Recife ficar com Salete (Teté), mas antes morou na casa e Tia Bahia (Maria de Arnaldo). Ana tinha traços orientais e era muito católica.
Continuando, nos quartos dormiam a minha avó no primeiro e algumas das netas, no segundo mamãe, eu e Junior, Henrique não havia nascido. Meu avô era agricultor, logo atrás da casa tinha seu sítio (chamavam às vezes de roçado).
Embaixo da casa um paiol e balança, onde meu avô pesava algodão. Muitas vezes ia ao sítio, onde minha avó criava porcos. Trata-se de outro cheiro que não esqueço o da lama dos chiqueiros de porcos. Acompanhava quem ia dá comida para os bichinhos, que era sempre melancia. Tinha um milharal no roçado, um dia fiquei perdida e fui mordida pelas abelhas. Minha prima Diva levou um carão daqueles de vovó, mas não teve culpa nenhuma.
Tem muitas histórias e estórias engraçadas dessa casa. Minha prima Veny (Maria Venus) era ruim para comer, não sei se vovó tinha pena dela porque era tão pequenina que separava ovos de uma dita cuja galinha para ela comer. A casa ficava num alto. Tinha umas escadas para descer e no final do quintal tinha dois banheiros. Um com sanitário e outro para tomar banho. Mais de uma vez vi dentro do banheiro sapo cururu.
Vovó era orgulhosa, já tinha ficado viúva de um primeiro casamento. O marido foi morto dizem que envenenado em Macau. Lá foi ela com os filhos para Flôres, onde achou meu avô. Um solteirão, agricultor chamado Joaquim e apelidado de Doutor que acolheu a ela e a família. Casaram. No segundo casamento somente vingou mamãe os demais filhos morreram pequeninos. O que era muito comum. Mortos depois de nascerem. Minha avó era filha de um coronel das antigas proprietário da Fazenda Canaçu que tinha muitos filhos, nem sei quantos. Por sinal já mencionei o fato.
Fui a Fazenda Canaçu[2] pequena para minha mãe visitar meu bisavô. Fomos em dois burros, sendo em cada cangalha eu de um lado e meu irmão Junior de outro que deveria ter uns 2 anos, de modo que não lembra. Henrique só nasceria em 1959.
Deste clã tenho fotos herdadas do baú da minha mãe. Muitas mesmo.
Ainda voltei ao Canaçu adolescente com duas primas Gracinha – filha de Rita Amorim e Maria Diva – filha de tia Bahia, em viagem organizada por esta irmã de mamãe por parte apenas de mãe. Foram dias divertidos começando quando Zé Inácio nos chamava para tomar leite quentinho tirado no peito da vaca. Foi ele que nos acompanhou numa subida da serra e na volta numa queda Maria Diva rasgou as calças.
A noite juntava muita gente no terraço e Tia Bahia puxava umas músicas. Havia levado o caderno de Tia Verinha, outra irmã de vovó. Depois que terminava a seresta Tio Inácio ia deixar alguns moradores. Nós acompanhávamos em cima da camionete. Tinha um dos irmãos de Tio Inácio, não sei se Tio Oiô ou Tio Dudu que comparecia e chegava a cavalo com a sua mulher.
Lá em vovó morou Nem que quando mamãe casou foi morar com mamãe com a filha Maria José (Zeza). Praticamente quem cuidava de mim era Nem, porque Junior meu irmão teve coqueluche e requereu outros cuidados. Minha avó ajudava umas irmãs que moravam perto.
Voltando a casa. Na sala de trás antes da cozinha tinha uma mesa enorme com bancos de um lado e de outro e a noite vovó às vezes desbulhava feijão com uma senhora chamada Donana. Acho que era sua moradora, não sei se Antônio Belo já estava incorporado aquela pequena propriedade, como morador. Depois se tornou meieiro e mamãe sempre reclamava dele porque nunca mandava quase nada para ela. Nem manguito, nem feijão, que dirá pinhas que ela amava.
No dia 30 de junho faleceu minha prima Salete que eu chamava Teté, morava em Recife fazia 3 meses que estava hospitalizada. Sentindo demais. Como diz o Rui era uma grande mulher. Prestativa. A ela sou grata por tanta coisa.