*Franklin Jorge
Dizia-me a grande escritora argentina Luísa Mercedes Levinson que, em um livro, o que mais o valoriza seria a forma, não o conteúdo. Segundo ela, viria em primeiro lugar a forma de dizer, não a história que pode ser contada por qualquer um. Por isso, seriam raros os escritores autênticos, aqueles poucos que são capazes de contar à sua maneira o que de alguma forma já sabemos.
Amiga e, por algum tempo, noiva de Jorge Luis Borges, partilhavam o prazer de estarem a sós na companhia um do outro, ao crepúsculo, caminhando ao longo dos trilhos de Constitucíón. Borges adorava os arrabaldes, as periferias, tudo o que contradizia o próprio mundo no qual vivia e que às vezes lhe serviam de inspiração, ou melhor, a sua forma pessoal de respirar e traduzir em palavras o que mais tocava à sua percepção.
Andavam de mãos dadas, lentamente, observando tudo ou abstraindo-se de tudo, como se imortais fossem. Caminham por horas, sem objetivo algum, além do prazer que resulta de estar na companhia de alguém nos de alguma forma nos completa ou poderia completa-los. Tudo isto teria acontecido durante meses nos Anos de 1950, quando o autor de O Aleph começava a ser o que seria até o fim de seus dias.
Foi assim, pois, num subúrbio envolto em crepúsculo, que o compromisso entre ambos se desfez. Quase sem palavras e sem explicação. “Não seria, Lisa, uma relação como a nossa, mais importante que o amor”, perguntou-lhe, no momento em que transpunham a linha de trens.
Lisa Mercedes, como a chamávamos, compreendeu tudo. Sabia que alguma coisa começava, muito diversa de quaisquer suposições. Calada estava, calada ficou, como se voltasse a viver aquele momento indescritível, mesmo para uma escritora que soube imprimir-se em cada uma das sentenças que escreveu, até sua morte, muitos anos depois, quando o seu nome ascendia no céu literária como a possível ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura.
Filha de diplomatas, fadada ao matrimônio, casou-se Lisa Mercedes duas vezes. A primeira com Pablo de Valenzuela, médico. A segunda com William Klapenbach, o principal acionista de La Nación, talvez o mais prestigioso jornal de sua época. Borges, já velho com uma velha amiga da juventude, que enviuvara; casamento que durou apenas alguns meses e que constitui um dos mistérios da Literatura. Corrigindo, já quase agonizante, casou-se Borges uma segunda vez, para surpresa de todos, com a sua secretária, Maria Kodama, de quem se tornara inteiramente dependente.