*Alex Medeiros
Num trecho de uma das mais belas canções feitas em solo potiguar, o compositor Babal diz em sua Avenida Dez, “Os Guaranis festejando a paz / o guerreiro Bumbum”, numa referência a mais premiada tribo de índios do carnaval de Natal e também a um dos seus caciques, Bumbum, cujo apelido reproduz a onomatopeia dos tambores que ditam o ritmo das agremiações que desde 1920 desfilam nas ruas de Natal durante os festejos carnavelescos.
História centenária esquecida no carnaval deste ano, prontamente lembrada à distância, desde Recife-Olinda, por meu mano Graco Medeiros em sua página do Facebook. Na abordagem da efeméride ele destacou o discurso de sociologia de diretório que condena fantasias de índio e outras mais. E eu aproveito para cobrar o devido reconhecimento histórico dos grupos que têm nas ruas de Natal a trajetória mais longeva entre todas as outras capitais.
O estudo “O Carnaval das Tribos de Índios em Natal: uma Reflexão Geográfica”, publicado em 2012 pelo cientista social Valdemiro Severiano Filho e pelo geógrafo Alessandro Dozena, confirma a tradição pioneira potiguar.
Nos trabalhos de campo, a dupla destaca reportagens da Tribuna do Norte que revelaram os primórdios das tribos, onde o fundador da primeira escola, Augusto Brasil, contou até com orientações do folclorista Câmara Cascudo.
Os primeiros anos das tribos indígenas no carnaval de Natal foram na Ribeira e Rocas, e segundo o estudo de Dozena e Severiano com o valioso e contundente apoio de Cascudo, como forma de homenagem ao próprio RN.
O nosso pioneirismo é único, mesmo existindo tribos também nos carnavais de cidades como João Pessoa, Recife, São Luís e Porto Alegre, mas em todas elas com referências distintas na formação e influências de índios dos EUA.
Em Recife, por exemplo, a primeira tribo só surgiu em 1951, inspirada no carnaval de João Pessoa e que a exemplo de São Luís criou o estilo nos anos 1940. Na capital maranhense, a influência veio dos filmes gringos de faroeste.
Também na capital gaúcha, as tribos de índios surgiram sob a conjuntura da Segunda Guerra e a presença de militares americanos por todo o Brasil. As duas escolas mais antigas em atividade em Porto Alegre surgiram em 1959.
O auge do glamour das tribos de Natal aconteceu entre os anos 1940 e 1970, tendo nos Guaranis e Potiguares as duas marcas mais fortes. Havia ainda os Aimorés, Tupinambás, Tapuias, Tamoios, Guaracis, Tabajaras e Guaicurus.
A emoção de “meninos fiéis” na canção de Babal era um sentimento que existia além da Avenida Dez; era a arte das tribos alimentando fantasias nos bairros populares que se tornavam nações dos seus habitantes em apoio aos desfiles.
Sustentar uma cultura por cem anos é um feito que merecia uma atenção especial dos poderes públicos e das instituições culturais. As tribos resistem no limite da insolvência, carregando nos seus tambores o grito da nossa raça.
Já tivemos dezenas de agremiações, hoje são meia-dúzia existindo e insistindo nas Rocas, Redinha, Mãe Luíza, Igapó e Felipe Camarão, reforçadas por algumas de São Gonçalo do Amarante, Ceará-Mirim e São José de Mipibu.
Já que a governadora Fátima Bezerra tornou patrimônio imaterial alguns produtos históricos, é mister lançar um olhar de conservação sobre as tribos carnavalescas e ouvir as vozes da sua carga genética, tão nossa, tão índia.
Não se pode deixar apagar uma história centenária, ainda mais quando os recentes e atual governos da capital decantam a revitalização do carnaval. Bora lá, Fátima, canta Amor de Índio, “enquanto a chama arder, todo dia te ver passar”.